"Os dados do Censo de 2022 precisam ser auditados", afirma ex-presidente do IBGE
Roberto Luis Olinto Ramos aponta falhas em processos que já trazem efeitos na repartição de recursos para os municípios brasileiros
A semana passada marcou os primeiros repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em 2023. Trata-se de um recurso, que, em alguns casos, compõe mais da metade do orçamento das cidades de pequeno porte. O problema é que uma resolução do Tribunal de Contas da União (TCU) acatou resultados parciais do Censo de 2022 e estabelece a partir dos dados a população de usada para o cálculo das cotas destinadas às prefeituras. No RS, 47 perdem habitantes e dinheiro, 35 já foram à justiça.
Ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2017 e 2019, Diretor de Pesquisas (2014-2017) e Coordenador de Contas Nacionais (1995-2014) e pesquisador associado do FGV/Ibre Roberto Luis Olinto Ramos aponta falhas no processo e contesta a utilização dos resultados preliminares para a divisão do FPM. Segundo ele, seria necessário realizar uma ampla auditoria nos dados do levantamento demográfico.
Como começa essa confusão?
A lei determina o corte da população de forma precisa. Se o município tem um habitante a mais ou a menos altera de faixa no FPM. A transição deveria ser mais suave. Isso é corrigido porque a população que norteia a distribuição do FPM é baseada em um Censo Demográfico, feito em anos terminados em “zero” e anualmente estima-se a população. Nos terminados em “cinco” há a contagem da população para ajustar modelos de projeção. Em 2015, não houve orçamento, o recurso foi liberado em 2018, mas como teríamos um Censo em 2020 foi adiado. Em 2018, as reclamações aumentaram, eu presidia o IBGE e, na ocasião, admitimos que a falta da contagem criava problemas. Uma frente parlamentar no Congresso decidiu congelar as cotas do FPM em 2019 e 2020, quando, a pandemia impediu o censo.
E agora?
Olhando para a confusão maluca que essa direção fez ao não conseguir coletar, há um descrédito enorme. Na condição de ex-presidente, me sinto envergonhado de um Censo ser coletado em seis meses. Não existe isso e fica subjacente que há problemas. Não entendi a razão pela qual o IBGE não negociou o congelamento por mais um ano. Não, resolveu entregar ao TCU um relatório preliminar com uma imputação de dados (em situações com dados faltantes, é comum restringir-se à análise dos sujeitos com dados completos) gigante. Você imputar quase 20% da população tem um risco elevado de erros. As equipes são boas, mas as decisões foram péssimas, desde que que começou o governo Bolsonaro. A presidência do IBGE alterou o projeto, houve corte de orçamento e foi mais uma “crônica da morte anunciada”. Certo que os municípios iam reclamar e, com toda a razão.
Quais as consequências?
No Rio, a população de enormes municípios da região metropolitana diminuiu. Não se sabe se é verdade ou não, porque é um dado preliminar com elevados níveis de imputações. A confusão está feita e é uma barbaridade. O risco maior é de muitas diferenças quando o Censo definitivo sair – e acredito que serão – a cidade que recebeu a menos vai ganhar mais ? A que ganhar a mais vai devolver? Vai é virar uma judicialização permanente. Para o TCU é isso e está acabado. O desenrolar é um mistério e vai depender muito do resultado definitivo do Censo, porque se corroborar com o que se estabeleceu agora é uma coisa. Caso contrário, se tiver muitos munícipios prejudicados é uma bola de neve.
Como se resolve a questão?
Na minha opinião, o erro e não sei se o TCU aceitaria, seria propor a manutenção das cotas por mais um período pra ajustar no ano seguinte. Quando era ainda coordenador de contas, os prefeitos me ligavam chorando, sem dinheiro para arcar com a merenda. Agora piorou. No momento, temos a judicialização. A solução racional seria o congelamento, mas não se optou por ela. Não sei se há tempo de voltar atrás, deverá bater no Supremo.
O que deveria ser feito?
Se eu ainda estivesse no IBGE, eu proporia uma auditoria nos resultados. Mas, antes de auditar os resultados, seria necessário auditar os processos, porque tem muita coisa estranha. Teria que, eventualmente, não o refazer, porque é muito oneroso, mas estabelecer uma nova contagem populacional em 2024/2025. Fazer isso rápido para tentar corrigir os problemas ou os modelos de projeção nos municípios prejudicados. Existem países, espero que não seja o caso do brasil, como no Chile, em que se jogou o Censo no lixo para fazer um novo. Mas o Chile é muito menor que o Brasil. Refazer um Censo não custaria menos de R$ 3 bilhões, hoje em dia. É melhor criar uma solução intermediária: auditar e fazer a contagem. Olhar os resultados e procurar identificar onde houve subcobertura ou dados estapafúrdios. Por exemplo, é preciso buscar as explicações para um município grande ter perdido muita população. Se não der pra entender, é preciso refazer. O IBGE vai ter que explicar isso em algum momento. Seria necessário montar uma equipe independente de demógrafos para analisar a base de dados. A própria imputação de dados é questionável. Infelizmente, essa direção do IBGE explicou muito pouco as coisas. Eu não vi esse modelo de imputação publicado, como determina o padrão de ética e estatística. Teria que sair uma nota técnica, por uma questão de transparência, o que até o momento não foi feito.
Fonte: GZH
Foto: FGV/IBRE / Divulgação
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