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Especialistas analisam mecanismo que revisa reprovações em escolas estaduais do RS

  • Data: 26/Jan/2023

Estudantes poderão fazer prova ou trabalho para demonstrar suas competências 

 

Previsto para fevereiro, um novo mecanismo de avaliação de estudantes gaúchos com frequência ou nota inferiores às mínimas exigidas visa reduzir o número de reprovados na rede estadual de ensino. Não há ferramentas desse tipo na rede municipal de Porto Alegre nem nas escolas privadas do Estado. 

A iniciativa, nomeada de Estudos de Recuperação, permitirá que os alunos com menos de 75% das horas de aula (percentual mínimo previsto em lei para aprovação) ou que alcançaram nota inferior a 6,0 recebam materiais adicionais e façam uma prova ou um trabalho no início do ano. Se demonstrarem que adquiriram as habilidades necessárias e alcançarem média 5,0 serão aprovados — para chegar a essa média, serão somadas a nota final de 2022 com a da prova aplicada em fevereiro, divididas por dois. Até então, quem não tivesse 75% de frequência era automaticamente reprovado. 

Em transmissão feita no dia 14 de dezembro, por meio do canal de YouTube da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), a titular da pasta, Raquel Teixeira, apresentou detalhes da iniciativa. Uma das orientações é que, em vez de categorizados como “reprovados”, os alunos infrequentes ou com média insuficiente sejam considerados “em recuperação”, a fim de que possam fazer a avaliação adicional. 

 

— Esses alunos teriam entre agora (14 de dezembro) e a primeira ou segunda semana de fevereiro para que estudem e façam uma prova ou apresentem o trabalho, o que fica a critério da escola. O que vai ser padronizado são as datas para que isso aconteça — pontuou a secretária durante a transmissão.

Os Estudos de Recuperação serão realizados de 8 a 17 de fevereiro. Os estudantes já receberam planos de estudos personalizados e deverão, também, ter atividades presenciais de reforço. 

Durante a transmissão, a gestora citou problemas enfrentados pelos estudantes de escolas públicas ao longo da pandemia, como ansiedade, depressão, dificuldade de concentração e falta de acesso à internet, e argumentou que as perdas socioemocionais e de aprendizagem no período podem causar frustração e falta de autoconfiança. 

— Em um primeiro momento, o aluno continua a frequentar as aulas, mas, se não recuperar as competências, reprova, vai ficando mais velho do que os colegas e acaba abandonando a escola. E não há nenhum indicativo de que a repetência faça o aluno melhorar na escola — observou Raquel. 

Segundo a secretária, o que está sendo proposta é uma oportunidade adicional para uma população que, diferentemente da que frequenta a rede privada, não costuma ter acesso a professores particulares para ter aulas de reforço quando apresenta dificuldades em alguma disciplina. 

— Estamos mudando uma cultura de achar que reprovação resolve alguma coisa para uma cultura do sucesso escolar — resumiu a gestora.

A pasta defende a medida como uma oportunidade. 

Na data em que a live foi transmitida, ainda não havia saído o resultado do desempenho dos alunos no ano letivo de 2022. O número de estudantes que seriam reprovados se não passassem pelos Estudos de Recuperação ainda não foi publicamente divulgado, mas a reportagem de GZH apurou que o percentual é de cerca de 20% dos 800 mil alunos da rede estadual – em torno de 160 mil pessoas. 

Conforme Raquel, a proposta é que a reavaliação seja aplicada para os resultados dos anos letivos de 2022 e 2023. A portaria que regulamenta a iniciativa, contudo, não traz prazo de encerramento. O texto foi publicado em 30 de dezembro. 

O que pensam os educadores 

De acordo com a presidente do Conselho Estadual de Educação (CEEd-RS), Fátima Ehlert, o mecanismo foi criado após a Seduc constatar que um número grande de estudantes seria reprovado. 

— Há questionamentos sobre essa avaliação entre um período letivo e outro, e não durante, até pelas escolas, até porque elas próprias já têm instrumentos de recuperação. Mas foi a estratégia da mantenedora, que é a Seduc, para atacar a reprovação, que gera mais evasão escolar, e também para recuperar as aprendizagens desse período de pandemia — analisa Fátima. 

No entendimento da conselheira, este é um enfrentamento emergencial para o período pós-pandêmico, que envolve retomada de habilidades que deve durar de dois a três anos. Fátima destaca, porém, que a resolução do problema do abandono escolar se dá especialmente por meio de reorganização da escola que envolva também estudantes e suas famílias. 

— É preciso reorganizar, para que os alunos queiram estar ali na escola. A escola precisa fazer sentido, agregar na aprendizagem daquele estudante. É um período de muita readequação, especialmente com o Novo Ensino Médio e com a ampliação do tempo integral. Vamos ter que pensar em outros formatos para esse novo jovem — defende a presidente do CEEd. 

Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Iana Gomes de Lima considera que a criação de um instrumento que desobrigue a frequência mínima de 75% fere os princípios de gestão democrática previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e abre margem para a realização do ensino domiciliar, modalidade que não tem previsão legal no Brasil e que teve um projeto de lei vetado pelo governador Eduardo Leite, no RS, e uma lei municipal de Porto Alegre considerada inconstitucional pela Justiça. 

— Pais ou mães que querem o ensino domiciliar poderiam retirar a criança da escola, dar a educação em casa e levá-la só para fazer as avaliações. Havendo a exigência de frequência em 75% das aulas, a criança precisa estar presente na escola. Eu não entendo que o fim em si da portaria seja permitir o ensino domiciliar, mas abre essa margem — avalia Iana. 

A pesquisadora relembra que a Constituição Federal prevê a educação como um direito público subjetivo, o que significa dizer que ele é tanto um dever como um direito – o cidadão brasileiro de quatro a 17 anos tem o direito, mas também tem a obrigação, de frequentar a escola. No entendimento da docente, esse dever é ferido pela portaria. 

Índices de reprovação

Para Iana, a preocupação tem sido muito voltada para índices de aprovação e reprovação e avaliações de larga escala, que impactam, por exemplo, no repasse feito a Estados e municípios por meio do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), do governo federal, mas que as lacunas de aprendizagem identificadas vão muito além dos muros da escola. 

— A educação brasileira tem muitas lacunas, mas elas não são resolvidas simplesmente aprovando alunos de um ano para o outro sem pensar num plano pedagógico, problemas de infraestrutura e, inclusive, em políticas sociais. A gente precisa que a criança não esteja passando fome, que tenha assistência de saúde, para que chegue à escola em condições de aprender — destaca a pesquisadora. 

A presidente do Cpers/Sindicato, Helenir Schürer, relatou que recebeu com grande preocupação as informações sobre a portaria publicada pela Seduc. 

— Essa proposta pode ser um desestímulo para o aluno frequentar a escola. Nós, que estamos na escola, sabemos a dificuldade que temos de ter contato com as famílias e que elas se preocupem com a frequência dos seus filhos. Abrindo esse precedente, com certeza, nossa educação vai cair substancialmente — afirma. 

 

Fonte: GZH

Foto: Anselmo Cunha / Agência RBS

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