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A importância e o desafio de levar os adolescentes ao médico

  • Data: 24/Mar/2023

A chegada da puberdade convida à primeira consulta com o ginecologista, no caso das meninas, ou com o hebiatra, que atende tanto garotos quanto gurias

 

Pelos pubianos que começam a crescer, mau cheiro nas axilas, espinhas, surgimento das mamas... Sinais de que a puberdade apareceu e que os filhos deixaram de ser crianças. Chegou a hora de levá-los para a primeira consulta com o ginecologista, no caso das gurias, ou com o hebiatra, médico de adolescentes que atende tanto meninos quanto meninas.

A orientação geral é de que a primeira ida ao consultório ocorra até os 15 anos de idade, mas cada vez mais especialistas defendem a antecipação desse encontro. Na avaliação da ginecologista Liliane Diefenthaeler Herter, chefe do Centro de Ginecologia da Infância e Adolescência da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, o momento certo é justamente quando a puberdade dá as caras. Nas meninas, é natural que a transição da infância para a adolescência ocorra a partir dos oito anos, mas a idade média é aos 10 anos. Nos meninos, pode começar a partir dos nove, mas a média é aos 11 anos.

— O primeiro sinal da puberdade, na menina, é o broto mamário, que os pais acham que é um nódulo na mama, mas é o broto, o primeiro sinal da mama. Pelos pubianos, acnes e odor na axila são sinais complementares. Nos meninos, o início da puberdade é marcado pelo aumento dos testículos e, na sequência, o aumento visível do pênis — diz a médica.  

Estimular os adolescentes a irem ao médico é um desafio no Brasil, observa a médica ginecologista Cláudia Barbosa Salomão, coordenadora do Serviço de Ginecologia da Infância e Adolescência da Residência da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, em Minas Gerais, além de membro da Comissão Especializada em Ginecologia da Infância e Adolescência da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Enquanto o bebê e a criança têm uma sólida rede de atendimento, já que adoecem mais por conta de infecções, os adolescentes, que habitualmente são menos acometidos por enfermidades, acabam ficando longe dos médicos. Lembrando que a adolescência é o período da vida que começa aos 10 e termina aos 19 anos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).

— Não existe o hábito de levar um adolescente rotineiramente ao médico aqui no Brasil. Nos países de primeiro mundo, há uma rotina de atendimento a esses jovens. O adolescente, apesar de ser um indivíduo que adoece pouco, necessita de muita informação para se prevenir. Imagina o tanto de meninas que não engravidariam se tivessem assistência médica contínua — ressalta a médica, que participa de um programa de especialização na Federação Internacional de Ginecologia Pediátrica e da Adolescência.

Entre a curiosidade e a indiferença

As dúvidas compartilhadas no consultório costumam partir mais dos pais, focados em saber se a carteira de vacinação precisa ser atualizada ou mesmo se a estatura ou peso dos filhos estão adequados. Mas é possível que os adolescentes estejam repletos de incertezas sobre o universo que se descortina. No entendimento de Cláudia, o médico precisa responder tudo aquilo que o paciente perguntar, considerando, claro, o seu nível de maturidade:

— Se uma menina de 10 anos faz uma pergunta de cunho sexual, você deve esclarecer de uma forma que ela possa entender, levando em conta sua maturidade. A partir dos 12 anos, estimulamos que a menina entre sozinha no consultório. É um convite à autonomia. Depois, ela pode compartilhar tudo com sua mãe, ou com seu pai, como preferir.

Enquanto há pais preocupados com a curiosidade de meninos e meninas pelo sexo, acreditando ser um interesse precoce, também há os aflitos com a indiferença dos filhos pelo tema, conta o hebiatra Ricardo Becker Feijó, chefe da Unidade de Adolescentes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor associado de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Se os pacientes ficarem a sós com os médicos, longe dos olhares dos genitores, terão mais espaço para expressarem as próprias ideias e sentimentos:  

— Muitos meninos demonstram desinteresse pela sexualidade, mas é uma imaturidade desse adolescente que ainda é infantilizado, ainda está numa fase inicial da adolescência. Mas também há meninos e meninas relatando identificação de gênero diferente, e eles não se sentem à vontade de falar sobre isso com os pais. Por isso, parte dessa consulta com o adolescente deve acontecer em separado dos familiares.

Ao contrário do que se pode imaginar, levar meninos e meninas ao hebiatra ou ginecologista não funciona como um incentivo à iniciação da vida sexual. Para Cláudia, garantir a maior quantidade de informações a respeito da sexualidade é uma forma de educar e prevenir esses jovens. No Brasil, um em cada sete bebês é filho de mãe adolescente, e a cada 30 minutos uma menina entre 10 e 14 anos torna-se mãe, segundo dados do Ministério da Saúde.

— A consulta antecipada deixa a menina menos vulnerável às questões sexuais. Se você começa a tratar dela quando ela está iniciando a puberdade, por volta dos 10 anos, cria-se uma cumplicidade e conforto muito maior do que quando ela estiver mais velha e cheia de demandas — diz a ginecologista. 

— Mas, infelizmente, a grande maioria só chega aos consultórios quando ocorre a menarca, a primeira menstruação.

Atenção aos órgãos sexuais

Além do vínculo com o médico que se estabelece cedo na vida do jovem, a consulta antecipada com ginecologistas e hebiatras também vai identificar possíveis problemas nos órgãos sexuais que podem afetar tanto a saúde física quanto emocional. Se a puberdade nas meninas não ocorrer até os 13 anos, ou se a menstruação não descer até os 15, pode ser indício de alguma anormalidade, fazendo-se necessária uma avaliação. Uma disfunção comum é o hímen imperfurado, que vai impedir que o sangue desça.

— O hímen nasce sem furinho, então não tem como sair a menstruação. O sangue ficará retido dentro da vagina e isso causa muita cólica e dor abdominal. É uma alteração congênita, que muitas vezes costuma passar batido, mas poderia ser identificada até no nascimento da menina, examinando a vulva com atenção, sem a necessidade do exame especular, como feito nas mulheres adultas — diz Liliane.

Entre os meninos, os principais dilemas têm a ver com a baixa estatura, a ausência de pelos pubianos ou ainda não ter desenvolvido pênis e testículo, conta Feijó. Há pacientes com dúvidas sobre fimose, mas, na maioria das vezes, há apenas excesso de prepúcio, sem necessidade de cirurgia.

Também há queixas envolvendo dores no corpo, que o médico identifica como uma má postura durante o uso excessivo do computador e do celular, algo que se agravou na pandemia.

— Eles acham que é dor do crescimento, mas é má postura porque passam horas na frente do computador e do celular. Os adolescentes não estão fazendo atividade física ou alongamento, então acontece uma contratura muscular. É um problema das meninas também — frisa Feijó.  

A consulta adiantada com ginecologista ou hebiatra também pode identificar possíveis casos de agressão. 

Em 2021, segundo a última edição do Anuário Brasileira de Segurança Pública (2022), o país registrou 45 mil casos de estupro de vulnerável, quando é cometido contra indivíduos de até 14 anos, sendo que 61,3% dos alvos eram meninas menores de 13 anos. Em 82,5% desses episódios, o criminoso era conhecido da vítima. 

— Se o médico perceber algum sinal de violência, é fundamental ficar sozinho com o paciente no consultório, chamar um assistente social e dar a oportunidade para a criança se abrir — orienta Cláudia.

 

Fonte: GZH

Imagem: Arte GZH / Reprodução

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