RS tem 7 mil registros por importunação sexual desde que crime passou a ser previsto em lei
Desde 2018, a pena para esse tipo de delito pode chegar de um a cinco anos de reclusão
Desde que a importunação sexual passou a ser considerada crime no Brasil, no fim de setembro de 2018, o Rio Grande do Sul teve 7.014 registros desse tipo de violência. No ano passado, por exemplo, foram em média cinco casos por dia. Os dados foram informados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado. Somente em Porto Alegre, 1.299 ocorrências desse tipo chegaram ao conhecimento da polícia em quase cinco anos.
No fim de agosto de 2017, um suspeito de ejacular numa mulher dentro de um ônibus foi preso em flagrante em São Paulo. O caso ganhou repercussão após um juiz decidir soltar o homem, que voltou a ser flagrado dias depois cometendo o mesmo delito. Esse episódio levou a um debate na época sobre os gargalos da legislação. Em 24 de setembro de 2018, o crime de importunação sexual passou a ser previsto em lei, com pena que pode chegar a cinco anos.
Após a criação da lei, ainda no ano de 2018 o RS teve 263 casos comunicados à polícia – entre o fim de setembro e dezembro. Depois disso, nos três anos seguintes, teve entre 1.113 e 1.563 registros. Em 2022, esse número aumentou para 2.132. Da mesma forma, na Capital houve crescimento dos casos registrados ao longo do tempo. No ano passado, houve o maior número de notificações, 371 ocorrências — ou seja, em média, pelo menos uma por dia.
— É um número alto, considerado que é um crime muito novo, que de certa forma era naturalizado há até pouco tempo. Tínhamos mesmo esse vácuo na legislação. O fato de existir a lei faz com que se tenha propriedade para combater, no sentido de que esse tipo de crime não pode acontecer. Pode se criar campanhas sobre isso, enfatizar que "não" é "não", que não pode agarrar, beijar a mulher sem a permissão dela — ressalta Ivana Battaglin, promotora do Ministério Público, com especialização em direitos das mulheres.
Na visão da defensora pública Luciana Artus Schneider, do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública do RS, a legislação permitiu inclusive que as mulheres que passam por esse tipo de situação compreendam que estão sendo vítimas de um crime, que não deve ser tolerado, e, assim, possam buscar ajuda das autoridades.
— São coisas extremamente invasivas e às vezes não eram capituladas como crime. Hoje ficou bem claro que é crime. E isso traz uma importância muito simbólica no combate à violência contra a mulher. Fica mais fácil para as pessoas entenderem que é violência, tanto os homens e a sociedade em geral, os potenciais autores, como as vítimas, que às vezes não se compreendiam no papel de vítima. Isso empodera de uma forma a mulher a levar adiante essa ocorrência, a entender que está sendo vítima de violência, que isso é grave, que isso é crime — enfatiza.
A defensora explica que a importunação sexual é um conceito amplo, e que cada caso precisa ser avaliado. Cita como exemplo se um homem passa a olhar reiteradamente para uma mulher de forma libidinosa, deixando a vítima constrangida no ambiente de trabalho.
— Isso pode sim ser importunação. É muito mais a perspectiva da vítima estar se sentindo violada que vai trazer a interpretação para o caso. Muitas vezes vai ser só palavra da vítima contra a do agressor. E a palavra da vítima é sempre super valorizada na instrução, na apuração do delito. Isso também precisa empoderar a mulher no sentido de que ela vai ser ouvida — afirma Luciana.
Os locais de maior risco
Segundo a delegada da Polícia Civil Cristiane Ramos, titular da Divisão de Proteção à Mulher (Dipam), os locais em que há maior número de casos de importunação sexual são o transporte coletivo ou festas que reúnem aglomeração.
— Nós percebemos que os homens se aproveitam dessas situações para realmente acessar o corpo de uma mulher sem a permissão dela, sem que também ele precise praticar uma violência ou ameaça contra essa mulher, então se aproveitando geralmente desses locais com número maior de pessoas — afirma.
Em muitos casos, segundo a delegada, a mulher vítima fica sem reação. Os episódios que resultam em prisão do agressor, muitas vezes, ocorrem quando as pessoas no entorno conseguem intervir.
— As pessoas que estão vendo uma mulher sofrer importunação sexual, em transporte coletivo, numa festa, num estádio, em qualquer lugar, que elas intervenham, acionem a Brigada Militar, os órgãos de segurança pública. As prisões que temos acontecem dessa maneira, com terceiros solicitando ajuda. A vítima fica sem reação, em estado de choque, algumas vítimas que até desmaiam — orienta.
No início de julho do ano passado, uma jovem de 25 anos estava num ônibus que seguia pela Avenida Assis Brasil, no bairro Passo D'Areia, na zona norte de Porto Alegre, quando foi vítima de importunação sexual. Ao perceberem o que acontecia, passageiros socorreram a mulher e o motorista parou o veículo. A Brigada Militar chegou ao local e prendeu o suspeito em flagrante. Naquele mesmo mês, para prevenir casos como esse, foi lançada uma campanha que passou a circular em coletivos da Capital, com cartazes de alerta sobre como agir se for vítima ou presenciar algum tipo de assédio.
Conscientizar a sociedade sobre o crime em si, sobre o fato de a vítima não ser a culpada e encorajar as mulheres a buscarem ajuda está entre os fatores apontados como essenciais para romper com esse tipo de crime. Além disso, a promotora Ivana aponta a necessidade de incluir a temática na educação de crianças e adolescentes, no ambiente escolar.
— Na maioria dos lares, ainda há reprodução da cultura machista e patriarcal. O Estado tem que assumir esse papel de ensinar meninos e meninos noções de respeito, tirar esse estereótipo de papeis de gênero. De que meninas têm que ser submissas e homens têm que ser agressivos. Os corpos das meninas, em qualquer etapa das suas vidas, não estão à disposição. Temos que falar sobre isso, desde muito cedo — afirma Cristiane.
"Só queria ficar dentro de casa", diz vítima
Uma jovem de 23 anos, moradora da Capital, ainda convive com os traumas deixados por um episódio de importunação sexual há cerca de um ano. Ela estava trabalhando, quando um cliente do estabelecimento tocou em suas partes íntimas. Depois do que aconteceu, procurou a Polícia Civil para registrar o caso. O processo contra o suspeito do crime está tramitando no Judiciário. A vítima relata que precisou sair do emprego porque não se sentia mais confortável naquele ambiente.
— Foi difícil para eu me recuperar. Só queria ficar dentro do caso. Só chorava. Foi muito complicado. Até hoje esse assunto me machuca. Tive que pedir demissão porque não estava conseguindo trabalhar — relata.
Depressão e, em alguns casos, até tentativa de suicídio estão entre os reflexos citados por especialistas como consequências desse tipo de violência. Fazer com que as pessoas entendam que a vítima não tem culpa, e dar suporte para essas mulheres é apontado como essencial para tentar modificar essa situação.
— A mulher se sente culpada, seja pelo jeito como se comportou ou a roupa que estava. Isso são questões que precisam ser descontruídas na sociedade. A vítima nunca é culpada. Essa é a mensagem que temos que passar. A partir do momento que desconstruímos essa ideia de culpa, vamos conseguir combater um pouco esse impacto físico e psicológico que tem na vítima do crime de importunação sexual, que as pessoas de fora por vezes não compreendem a gravidade — detalha a defensora pública Luciana.
O que é importunação sexual
É quando se pratica ato libidinoso ou comete outra prática contra alguém, sem sua permissão, para satisfazer desejo sexual. Pode ser, por exemplo, apalpar, tocar, beijar à força, masturbar-se, entre outros. A pena prevista é de reclusão de um a cinco anos.
Como agir
Em muitos casos, a vítima não consegue pedir ajuda porque fica paralisada. Por isso, é essencial que quem testemunha esse tipo de crime também saiba como agir.
Ligue imediatamente para a Brigada Militar, pelo 190.
Se ocorrer dentro de ônibus, tente identificar a linha e localização do ônibus.
Se possível, fotografe o agressor, se for vítima ou testemunhar um caso desses.
Se o crime já aconteceu, tranquilize a vítima e oriente que ela registre o fato. Neste caso, é possível registrar o fato em qualquer delegacia ou pela Delegacia Online. Também é possível entrar em contato com a Polícia Civil pelo 181 ou (51) 98444-0606.
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190: se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil: se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas. Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências). As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado.
Fonte e foto: GZH / Reprodução
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