Corte de araucárias, colheita fora de época, mudanças climáticas: os desafios da produção de pinhão
Safra no Rio Grande do Sul em 2023 sofreu queda de 15% com relação ao ano anterior
O pinhão, semente oriunda da araucária — também conhecida como pinheiro-brasileiro ou pinheiro-do-paraná —, é responsável pelo sustento de muitas famílias de produtores e agricultores familiares. Nesse ano, no entanto, sua cadeia produtiva foi impactada por diferentes fatores. Segundo dados da Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-RS) a colheita no Rio Grande do Sul apresentou uma queda de 15% na comparação com o ano anterior.
Ainda de acordo com a Emater-RS, em 2023 a colheita do pinhão apresentou um déficit de 50% em comparação com os anos de safras cheias, quando a serra gaúcha, maior produtora do Estado, registrou uma colheita de mil toneladas por semente. Em razão disso, houve o aumento do preço do produto, que está variando entre R$ 6 e R$ 20 o quilo.
A semente, que movimenta principalmente a economia de Estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, também serve de alimento para muitos animais terrestres e pássaros, contribuindo, assim, com a preservação da fauna. Desse modo, sua escassez interfere tanto na cadeia produtiva, quanto em aspectos ligados ao equilíbrio ambiental.
Fatores que impactaram a colheita
Representantes de instituições ligadas ao meio ambiente e especialistas, ouvidos por GZH, pontuaram que entre os principais motivos que levaram a uma queda acentuada na safra do pinhão no Rio Grande do Sul neste ano estão fatores como o desmatamento ilegal, seca (período de tempo seco, prolongado o suficiente para que a ausência, deficiência acentuada ou fraca distribuição da chuva provoque grave desequilíbrio hidrológico), estiagem (período prolongado de baixa pluviosidade) e mudanças climáticas.
A falta de incentivo para o plantio de araucárias e para a produção de pinhão e a colheita fora de época da semente também podem ser fatores que, em longo prazo, geram impactos na cadeia produtiva.
Desmatamento ilegal
A organização Unidade Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) classifica a araucária como uma espécie criticamente ameaçada de extinção, segunda categoria mais elevada de perigo de desaparecimento. Isso tem relação com a perda da floresta de araucárias, que faz parte do bioma Mata Atlântica e está presente no sul e sudeste do Brasil, em razão dos desmatamentos, incêndios florestais e construções de barragens.
Dados do Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade (ICMBio) revelam que 97% da área que era ocupada pela floresta com araucárias já foi perdida. Dos 3% restantes, Santa Catarina é o Estado do sul que tem a maior área preservada (cerca de 25%), contra 4% do Rio Grande do Sul e 1% no Paraná.
Um dos instrumentos legais contra o desmatamento ilegal é Lei da Mata Atlântica (Lei Federal nº. 11.428/2006), um ato normativo que protege este bioma e, consequentemente os pinheiros.
No Estado gaúcho, o policiamento ambiental ostensivo é realizado pelo Batalhão Ambiental da Brigada Militar (BABM), que recorrentemente flagra o corte ilegal de trechos de floresta nativa, com o registro do corte de exemplares de araucária.
Para Júlio César da Silva Stelmach, bacharel em gestão ambiental pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) e mestre em ambiente e sustentabilidade, um dos problemas da fiscalização ambiental para o combate dessas ações ilegais é a falta de efetivo, que vem sendo reduzido.
— Eu acho que tiraram muito poder da patrulha ambiental nos últimos governos. Então, a fiscalização ficou pequena. Ela tem um número de efetivo muito pequeno para fazer todo um patrulhamento no Rio Grande do Sul inteiro — pontua Júlio.
Exploração comercial não autorizada e coleta fora de época
A exploração comercial da araucária só é permitida por lei desde que decorrente de plantios autorizados e realizados para esse fim.
— Essas restrições de corte e uso dos produtos florestais madeireiros ou não-madeireiros (PFNMs) não se aplicam a exemplares cultivados em plantios devidamente licenciados pelo órgão ambiental competente — ressalta Caciara Gonzatto Maciel, engenheira florestal e professora do Departamento de Horticultura e Silvicutura da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Embora existam leis que visam garantir a proteção da araucária, há o cometimento de infrações e crimes ambientais, como a exploração predatória dessa espécie e dos recursos que ela fornece.
— A araucária foi uma planta intensamente explorada para fins madeireiros, principalmente aqui no Rio Grande do Sul no período de 1910 a 1940. Boa parte dessa madeira foi exportada para a Argentina ou enviada para a Europa para uso interno — relembrou Jaime Martinez, professor de Biologia da Universidade de Passo Fundo (UPF).
No caso dos PFNMs, como o pinhão, é autorizado seu manejo e uso desde que seu plantio e cultivo não sejam decorrentes de ações que coloquem em risco à a sobrevivência e a conservação da espécie.
— Torna-se cada vez mais necessário a sensibilização dos produtores de que é possível conciliar o cultivo da araucária com retorno econômico e preservação da espécie. Uma dessas ações é o respeito ao período de colheita, transporte e comercialização do pinhão, que inicia anualmente no dia 1º de abril (Lei nº 15.915, de 22 de dezembro de 2022) — relembrou Caciara.
Falta de incentivo para o plantio de araucárias e produção do pinhão
Para Claudimar Fior, professor do Departamento de Horticultura e Silvicultura da Faculdade de Agronomia da UFRGS, o poder público precisa incentivar, de forma efetiva, os produtores a plantar araucárias para que a espécie continue se desenvolvendo e os novos exemplares supram a carência produtiva das populações mais velhas.
— Provavelmente, se não houver continuidade na fiscalização e incentivo ao plantio de novas áreas com araucárias, o número de exemplares irá continuar diminuindo. Outra ação é o incentivo para inclusão de mudas de araucárias e fiscalização daquelas já existentes em projetos de recuperação de áreas de conservação obrigatórias, como áreas de preservação permanente (APPs) e reservas legais (RLs) — afirma o docente.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que anualmente milhares de toneladas de pinhão são extraídos de forma sustentável nas regiões serranas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Essa produção, no entanto, é praticamente exclusiva do extrativismo de populações naturais, com poucos plantios de araucárias para a produção da semente em maior escala.
Seca e estiagem
A umidade do ar, a intensidade do vento e os níveis de chuva influenciam diretamente na polinização das araucárias. Desse modo, um quadro de seca ou de estiagem pode afetar a produção de pinhão.
— Muitas vezes o efeito da estiagem ou excesso de chuva em períodos de produção de estróbilos (estruturas responsáveis pela formação de gametas nas plantas angioespermas) e sementes, serão observados apenas nos ciclos seguintes de cultivo, culminando em uma sequência de anos com baixa produção de pinhão — salienta Claudimar Fior, da UFRGS.
Os agricultores familiares Marlei Terezinha Zambelli e José Eloir Paim, de São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul, sentiram os efeitos climáticos da seca e da estiagem e observaram uma intensa redução na produção de pinhão se comparada aos anos anteriores. Um dos caminhos encontrado pelo casal foi comprar a semente no distrito vizinho, Cazuza Ferreira, onde já moraram.
— Aqui para nós, a produção foi muito baixa. Lá para o outro lado (Cazuza Ferreira), deu um pouco mais de pinhão. Então nós fomos pegar pinhão de lá para conseguir vender — relata José Eloir.
Parte do pinhão adquirido no distrito vizinho, Marlei e o marido usaram para a produção de produtos que foram comercializados durante a festa do pinhão, ocorrida em final de junho. Eles participam há 12 anos do evento e encontram nele uma oportunidade de divulgar e vender seus produtos.
— A Emater sempre garante o espaço e daí a gente faz os produtos à base de pinhão. A gente poderia vender outros produtos, mas no nosso caso por enquanto só trabalhamos com produtos à base de pinhão — explica Marlei.
Apesar dos prejuízos na colheita neste ano, a produtora rural está bastante otimista com a próxima safra.
— O tempo está contribuindo melhor. Ano que vem já vai ser um ano mais produtivo para o pinhão. Os pinheiros já mostram que vão estar prontos para o ano que vem. Acho que é um ciclo, né? Então, a gente espera melhoras.
Mudanças climáticas
As mudanças climáticas podem afetar o desenvolvimento das araucárias e, consequentemente, impactar na cadeia produtiva do pinhão. Somente nesse ano, os efeitos desse fenômeno foram sentidos com chuvas intensas e temperaturas elevadas na região norte, centro-oeste e sudeste e períodos de seca e estiagem no sul.
Em araucárias nativas antigas, os efeitos das mudanças climáticas são ainda mais danosos devido à fragilidade genética das populações remanescentes.
"Quanto mais parecidos geneticamente são os indivíduos de uma população, maior o risco de mortalidade e consequentemente, de extinção, já que a diminuição da variabilidade genética tende tornar àquela espécie mais suscetível a mudanças climáticas, pragas e doenças em geral", explica a Sema/RS.
— Eu acho que quem sobrevive a tantas mudanças climáticas que o planeta Terra teve, como as araucárias, parece que quer nos dizer alguma coisa sobre a importância delas e porque que a natureza, a biodiversidade, a criação colocou a espécie aí — analisa o professor Jaime Martinez.
Produção: Filipe Pimentel
Fonte: GZH
Foto: Júlio César Stelmach / Divulgação
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