Mapeamento do TCE aponta que apenas 14 municípios do RS têm plano de segurança
Diagnóstico do Tribunal de Contas do Estado afirma que o tema é realidade distante para a maioria das cidades gaúchas
O diagnóstico do Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre o envolvimento dos municípios na prevenção e combate à violência revela que essa ainda é uma realidade distante para a maioria das cidades gaúchas. Um dos apontamentos mostra que somente 14 prefeituras relataram ter uma política própria de segurança pública — o que representa 2,9%. Esse é considerado indicativo de como este tema ainda é ausente nas gestões municipais.
O Mapeamento da Segurança Pública: Estruturas e Políticas contemplou 482 dos 497 municípios do RS, com dados de 2022. Com base nos questionários aplicados, foi elaborado o relatório que demonstra como as cidades lidam com o tema. Entre os fenômenos identificados pelo estudo, está o fato de que a maior parte das cidades não possui estrutura — secretaria, conselhos, guardas municipais — nem programas de prevenção.
O mapeamento foi realizado em parceria entre a Escola de Gestão e Controle e o Centro de Orientação e Fiscalização de Políticas Públicas do TCE. Coordenador técnico do estudo, Marcos Rolim, também jornalista e sociólogo, entende que o relatório aponta que muitos gestores seguem acreditando que segurança pública é responsabilidade essencialmente do Estado, por meio das polícias. Soma a isso as dificuldades orçamentárias enfrentadas pelas prefeituras.
— Por conta da visão tradicional sobre segurança pública, que a equipara à repressão, prefeitas e prefeitos desconhecem o enorme potencial das políticas de prevenção ao crime e à violência, muitas das quais podem ser desenvolvidas sem custo, ou com relação muito favorável de custo-benefício. Combater a evasão escolar, por exemplo. Manter mais crianças mais tempo na escola é enorme fator protetivo. Todos os estudos do mundo mostram isso. Tudo isso tem a ver com essa política pública que os municípios devem construir — analisa Rolim.
Os municípios que relataram ter política própria de segurança pública, segundo o mapeamento do TCE, são Canela, Canoas, Caxias do Sul, Dom Pedrito, Horizontina, Imbé, Palmeira das Missões, Passo Fundo, Pelotas, Rio Grande, Roca Sales, São Leopoldo, Soledade e Vacaria. O dado, relativo ao ano passado, baseia-se nas respostas enviadas pelas prefeituras. Dos 14, somente oito informaram possuir diagnóstico próprio de segurança.
Ou seja, seis cidades construíram a política sem dispor de levantamento próprio para entender as necessidades locais, o que, na análise do TCE, é um sinal de fragilidade. A documentação solicitada aos municípios sobre as políticas também indicou inconsistências. Alguns anexaram apenas leis, como a que criou o Gabinete de Gestão Integrada ou instituiu o Conselho Municipal de Segurança.
Doutor em Políticas Públicas, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, consultor do Banco Interamericano de Desenvolvido (BID) e diretor-executivo do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke considera a participação municipal na segurança pública essencial para a redução da violência. Mesmo nos casos em que há participação, muitas cidades ainda dão conta somente daquilo que o especialista entende como uma visão antiga.
— Só colocar viaturas com guardas armadas nas ruas não vai avançar no modelo de segurança. Precisamos alargar a discussão de segurança para muito além da questão da polícia. Toda a prevenção, por exemplo, que não existe hoje ainda, vai ter de ser implementada pelos municípios. O município é peça-chave. Só ficamos tratando as consequências, mas quem pode tratar muito as causas são os municípios — afirma Kopittke.
O estudioso defende que uma forma de impulsionar a aplicação nos municípios seria o recebimento de suporte e orientação do governo estadual e federal sobre os programas já testados que possam ser aplicados nas cidades. Numa comparação com o Sistema Único de Saúde (SUS), entende que essas “vacinas para a violência” poderiam ser distribuídas, seguindo metodologias nacionais, e aplicadas nas cidades com recursos desses programas.
— Não existe na segurança um sistema de prevenção. É como se na saúde só tivesse UTI. A gente não evoluiu para todo modelo preventivo, uso de vacinas, só tratamos a doença. É realmente mudar a visão, e implementar todo esse conjunto. Na prática são os municípios que mais reduzem violência — avalia.
Por outro lado, pondera que existem ações que podem ser capitaneadas pelas prefeituras e implementadas com poucos recursos. Uma é assumir o papel de liderança, e promover a integração entre as forças de segurança e órgãos, como Ministério Público e Judiciário, para tratar o tema de forma técnica.
Prefeito de Campo Bom e presidente da Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Luciano Orsi argumenta que historicamente o Estado foi o responsável por estruturar corporações, como Brigada Militar, Polícia Civil e Instituto-Geral de Perícias (IGP).
— Sempre se teve essa expectativa de que o Estado proveria a segurança pública, até por conta do grande número de obrigações que o município tem com saúde, com educação, praticamente abraçando todas essas questões, a assistência social, meio ambiente. Hoje está tudo muito na mão do município. Esse corpo técnico e equipamento do Estado teria a obrigação de prover a segurança pública de maneira geral nos municípios — afirma Orsi.
Orsi diz que algumas prefeituras têm buscado alternativas para investir. Ele destacou que Campo Bom, desde o ano passado, conta com Guarda Municipal nas ruas. Pondera, no entanto, que essa não é uma realidade viável para muitos municípios, por pesar no bolso.
— Quem está mais próximo das áreas de maior violência, que sofre com furtos, roubos e crimes de maneira geral, acaba priorizando esse investimento. Mas a maioria esmagadora não tem condições de ter uma estrutura de segurança pública. Alguns investem em câmera de monitoramento, estão tentando ter um cercamento eletrônico. A grande maioria gostaria de investir mais em segurança pública — garante o presidente da Famurs.
Diagnosticar
Existem caminhos que podem ser seguidos pelas prefeituras, na visão do TCE. É por isso que técnicos do tribunal trabalham num documento que deve ser lançado antes do fim ano para os municípios, com possíveis alternativas.
Um primeiro passo seria compreender a realidade da segurança pública no município. Isso porque, embora alguns fatores sejam comuns a todos os locais, como, por exemplo, o fato de jovens estarem mais suscetíveis a serem autores e vítimas da violência urbana, outros tantos estão vinculados à lógica municipal, ou mesmo local. Enquanto num bairro o dilema pode ser o conflito entre facções criminosas, em outro, os homicídios podem ser gerados, por exemplo, pelo abuso do uso do álcool.
— Identificar essas dinâmicas só é possível com um diagnóstico local — afirma Marcos Rolim.
Neste caso, o especialista explica que olhar somente para os indicadores de criminalidade, com base nos registros, não permite um levantamento fiel do que acontece naquele local. Isso porque, em muitos delitos, as vítimas não registram os fatos, por diferentes motivos. Em alguns casos, há descrença de que o autor será punido, medo de represália, culpa, ou mesmo falta de compreensão sobre a importância da ocorrência. Na violência contra a mulher, somam-se outros fatores, como o ciclo no qual a vítima está envolvida, a dependência emocional, e em alguns casos econômica, e o envolvimento dos filhos, por exemplo.
Uma forma de trazer à luz essas violências que estão subnotificadas, num mapeamento mais preciso, seria por meio de pesquisas de vitimização. Nesse método, são realizadas longas entrevistas — mantendo o anonimato dos moradores — a fim de entender de quais crimes elas já foram vítimas, por exemplo. Essa análise permite captar aqueles casos que não chegaram ao conhecimento das polícias.
— Aparece ali um volume de crimes muito diferente dos boletins de ocorrências, muitos crimes, inclusive violentos, que ficam enterrados — pontua Rolim.
Realizar uma pesquisa de vitimização, no entanto, pode não ser viável dentro do orçamento de algumas prefeituras. Uma das estratégias que poderia ser implementada, por exemplo, é a aplicação pela própria prefeitura de um questionário em reuniões comunitárias com moradores, que sejam respondidos de forma anônima e recolhidos numa urna. A partir dessas amostras seria possível identificar violências que ocorrem naquele local. Embora não seja uma pesquisa, esse levantamento daria ao gestor informações para além dos casos subnotificados.
Estruturar
O estudo apontou, por exemplo, que só 59 — 12 % dos municípios — possuem conselhos municipais de segurança. Montar os conselhos é outra forma que deve ser indicada pelo TCE como meio para ouvir a comunidade sobre as políticas necessárias para a segurança pública do município. O intuito é criar um grupo, com representantes de diferentes áreas daquela cidade, que possa discutir quais são os principais problemas enfrentados e buscar soluções em conjunto.
Quando olhamos para as prefeituras que contam com Secretaria de Segurança Pública esse número é ainda menor. Somente 46, ou seja 9,5%, responderam possuir uma pasta específica para tratar do tema. Neste caso, na visão do TCE, nem sempre a realidade do município comporta realmente a criação de nova secretaria. No entanto, uma alternativa seria a criação de uma coordenadoria de segurança. Isso permitiria, por exemplo, que o município tenha uma pessoa de referência na área, inclusive para debater o tema com outros órgãos e com outros municípios, para discutir o cenário regional.
— Esse documento trará sugestões com base nas melhores práticas e evidências científicas. Inclusive do que pode ser feito sem investimento financeiro ou investimentos pequenos. Precisamos mudar esse sistema. Se tivermos mais municípios entrando na histórico, acredito que vai começar a mudar o quadro no Estado — frisa Rolim.
Guardas e câmeras
Entre os índices mais baixos apontados pelo relatório está o da existência de guardas municipais: apenas 34 das 482 prefeituras pesquisadas possuíam esse tipo de efetivo no quadro de servidores — a parcela equivale a 7,1%. O levantamento mostrou ainda que as guardas municipais do RS possuem poucos servidores. Ao todo, 44% delas possuem efetivos com menos de 50 profissionais e 22% possuem entre 50 e cem integrantes.
De acordo com o TCE, somente quatro municípios têm efetivos com mais de 150 guardas: Porto Alegre, com 362, Gravataí, com 240, Novo Hamburgo, com 208, e Caxias do Sul, com 169. Segundo a Associação dos Guardas Municipais do RS, atualmente 43 cidades contam com guardas municipais —algumas foram criadas no ano passado, como em Bagé e Carlos Barbosa.
Em relação às câmeras de vigilância, o mapeamento mostra que 222 municípios informaram ter gestão sobre os sistemas — 46,1%. O estudo ressalta que o emprego do cercamento eletrônico tem se mostrado eficiente para reduzir alguns crimes, com uso de tecnologias como leituras de placas, que permitem emitir alertas para casos de furtos ou roubos. O levantamento pondera, no entanto, que na maioria das cidades as câmeras estão concentradas em regiões centrais, de maior circulação, excluindo as áreas periféricas.
Prevenir
Outra constatação é de que a maioria dos municípios não possui programas voltados à prevenção. Menos de um quarto deles relataram ter iniciativas contra a violência doméstica e apenas 58, o que representa 12%, indicaram trabalhar com prevenção do bullying na escola. Somente 82 (17% das respostas) relataram iniciativas de promoção de igualdade racial. Quando olhamos para ações que buscam prevenir violência contra a população LGBTQIA+ esse número é ainda menor: isso é realidade somente em 14 cidades, 2,9%.
Algumas iniciativas são citadas, como o comitê transversal para combate às discriminações de raça, gênero, orientação sexual e deficiência, criado em Candelária, no Vale do Rio Pardo, o Comitê Gestor da Rede Arco Íris, em Canoas, na Região Metropolitana, o Conselho Municipal da Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gay, Bissexuais, Travestis e Transexuais, de Esteio, a Política e o Programa de Atenção Integral à Saúde da População LGBT, de Rio Grande, e a lei que incluiu o tema “Educação sobre o respeito à diversidade e combate a LGBTfobia” na grade curricular das escolas municipais, em Pelotas. Este último é um dos municípios apontados como exemplo em ações voltadas à segurança pública, com foco na prevenção.
— Pelotas foi muito ousada. A gente viu o que funciona para reduzir os homicídios no mundo e implementamos a metodologia. É toda uma política de prevenção para disputar cada jovem, desde que nascer até o Ensino Fundamental, pelo menos. Cada ano dessas crianças é uma oportunidade. São planos baseados em evidências e isso é chave — defende Alberto Kopittke, que, além de Pelotas, participa da implementação dos programas em Lajeado e Santa Cruz do Sul.
Entre as iniciativas colocadas em prática está um curso para treinamento de mães e pais, como forma de buscar reduzir a violência sofrida na primeira infância. Isso porque estudos indicam que a violência sofrida em casa vai refletir no desenvolvimento e no comportamento violento que ela poderá ter no futuro.
— Esse tipo de programa reduz em mais ou menos 30% o número de jovens que teriam risco de seguir a trajetória criminosa, violenta. Isso é tão efetivo quanto qualquer estratégia de policiamento, em outro momento da vida — explica Kopittke.
Uma das mudanças conquistas por Pelotas nesse período foi, além da redução nos crimes violentos, a alteração no perfil das vítimas desde 2017, quando foi implantado o Pacto pela Paz. Naquele ano, das 120 pessoas assassinadas na cidade 34, ou seja, 28,3% tinham até 21 anos. A média de idade dos mortos era de 29 anos. Seis anos depois, Pelotas vive uma realidade diferente na preservação das vidas jovens. Um exemplo são os dados de mortes violentas registrados em 2023. De janeiro a junho, o município teve 16 pessoas assassinadas, segundo dados da prefeitura. Em média, essas vítimas tinham 40 anos. E o dado mais importante: nenhuma delas tinha menos de 21 anos.
Fonte: GZH
Foto: Cesar Lopes / PMPA
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