Após 28 anos, Brigada Militar está perto de deixar a segurança do Presídio Central
Cerca de 200 brigadianos serão remanejados para o policiamento da Capital e de outras cidades do interior do Estado
O motim mais violento promovido no Presídio Central, no gélido inverno de 1994, ganhou as ruas de Porto Alegre na noite de 8 de julho. A fuga cinematográfica de 10 presos, com nove reféns na mira de armas dentro de veículos, culminou em perseguição, tiroteio e morte, incluindo a invasão de um hotel de luxo no centro da Capital. A perigosa e sangrenta caçada aos foragidos encerrou com quatro criminosos e um policial civil mortos a tiros.
O episódio promovido por integrantes da Falange Gaúcha — primeira facção a se formar no Estado — marcou a série de motins que tomou o Central entre 1987 e 1994. Um ano depois, após novas rebeliões, uma delas que levou à maior fuga em massa ocorrida no Rio Grande do Sul, com 45 fugitivos, e troca de governo, foi adotada nova estratégia: entregar à Brigada Militar o controle da cadeia. A medida adotada em 25 de julho de 1995 deveria ser temporária, de seis meses. Vinte e oito anos depois, cerca de 200 policiais militares ainda atuam na agora chamada Cadeia Pública. Mas isso está perto de acabar.
Segundo o secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Luiz Henrique Viana, a data deve ser definida até o fim da semana. O intuito é de que o retorno dos agentes da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) ocorra em setembro. Conforme a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-RS), os PMs que deixarão a segurança da cadeia serão remanejados. Devem passar a atuar no policiamento tanto da Capital como de outros municípios, preferencialmente para os considerados prioritários pelo RS Seguro.
— É um resgate da própria condição da Susepe de assumir de fato o que é de atribuição da superintendência. É positiva também porque devolve às ruas os policiais que estão lá há muito tempo, um efetivo grande. O MP já indicava ao governo essa necessidade de que a custódia dos presos, a administração do Central, deveria ser da própria polícia penal — avalia o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MP, Luciano Vaccaro.
Facções
Um dos diretores do documentário Central, que retratou como funcionava o presídio por dentro e o controle das galerias por parte dos presos, o também jornalista e roteirista Renato Dornelles, que acompanhou a evolução dentro do local ao longo das décadas, recorda que durante esse período realmente houve pacificação da cadeia, mas, por outro lado, as facções aumentaram o controle dentro da casa prisional.
— Os presos pararam de fugir, de queimar colchões, de promover motins, pararam as mortes. Mas em troca ficaram com o controle geral das galerias. Entendo esse retorno das polícias penais como necessário. Os policiais penais são preparados para exercer o serviço de carceragem dentro das prisões, são formados para isso — afirma.
O retorno dos policiais penais faz parte da sequência de mudanças que vem sendo realizada no Central. A cadeia, que já foi considerada a pior do país, está sendo demolida e substituída por nova prisão, com previsão de ser concluída em janeiro de 2024. O intuito é tentar deixar para trás o cenário de precariedade e superlotação que marcou o local por décadas e ampliar o controle por parte do Estado. Nesta quarta-feira (23), a cadeia, que já teve 5,3 mil presos, contava com 764.
— Esse modelo dá uma nova condição ao Estado para enfrentar o próprio crime organizado, as facções. Cenas como víamos antigamente, de vários presos, com as portas das celas destruídas, dormindo e se acomodando nos corredores, isso não vai mais ter. É uma nova engenharia, nova arquitetura, que permite ao Estado ter maior controle sobre o funcionamento da prisão. Quanto maior o controle do Estado sobre os presos, sobre o sistema, menor será a influência das facções — considera Vaccaro.
Servidores
Com o ingresso da BM no Central, as fugas e motins realmente cessaram ao longo dos anos seguintes. Além da mudança na administração, os policiais militares eram em número bem mais elevado em relação aos agentes penitenciários. Nos anos 1990, quando o presídio tinha 1,5 mil presos, o número de servidores chegou a ser de apenas 10, ou seja, média de um para cada 150. A força-tarefa montada pela BM contava com cerca de 300 policiais militares, recorda Dornelles.
— Com entrada da BM, mesmo no pico, que foi 5,3 mil presos, dava uma média de um policial militar a cada 17 presos. Até por uma questão numérica, aparentemente a BM era mais eficiente. Mas se discutia muito essa questão porque a BM não tem formação para trabalhar contendo presos. São preparados para prender — explica o documentarista.
Presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Rio Grande do Sul, Saulo Felipe Basso dos Santos considera que o retorno dos agentes ao Central é positivo, mas pondera que há preocupação com o déficit de servidores. Nesta semana, foram formados 355 novos servidores penitenciários — 300 deles são agentes, sendo que parte deles deve atuar no Central. A Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo ainda não informou quantos ao todo serão empregados na segurança da casa prisional.
— Com certeza, temos que retornar, é a nossa atribuição. Mas temos que retornar com o mínimo de condições para desempenhar as nossas funções. Essa que é a nossa preocupação. Em geral, temos metade do número de agentes penitenciários que deveriam ter nas cadeias. O efetivo está muito aquém do mínimo necessário para movimentações, escoltas e atividades internas e externas das cadeias. A situação é bem séria — afirma.
O sindicato afirma que tem cobrado do governo do Estado um calendário de nomeações de novos servidores para tentar diminuir o déficit de agentes, estimado em cerca de 4 mil.
Protestos
Em 1994, como então deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos da Assembleia Legislativa, o sociólogo Marcos Rolim participou das negociações do motim mais violento promovido no Central. Recorda que, naquele período, a Susepe não contava com efetivo suficiente para dar conta da casa prisional. Pondera que a manutenção dos PMs na segurança da cadeia também gerou custos.
— A BM, além de ter um custo grande, porque os policiais recebem diárias, tem pessoas lá dentro de um estabelecimento prisional que poderiam estar em outras atividades. Infelizmente, durou esse tempo todo. A ideia de os policiais penais poderem assumir faz todo o sentido porque são os profissionais selecionados para essa função. Por outro lado, é importante lembrar que, ao longo desses anos, a BM ganhou conhecimento e adquiriu capacidade de gestão, que é muito importante — afirma.
Rolim defende a necessidade de que o Estado construa uma política de execução penal, para que possam ser evitadas situações que levem a conflitos dentro e fora das prisões. No início do mês, houve protestos de familiares de presos, em frente ao Palácio Piratini, em razão de mudanças adotadas sobre as normas de visitas nas cadeias. Sobre esse episódio, a Susepe afirmou em nota que a instrução normatiza busca padronizar as visitações nos estabelecimentos prisionais.
Fonte: GZH
Foto: André Ávila / Agência RBS
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