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Cidades gaúchas têm desafio de contornar efeitos do envelhecimento da população

  • Data: 07/Nov/2023

Os 331 municípios do RS que contam com regimes próprios de previdência respondem por quase 10% do valor do rombo destes fundos mantidos pelas prefeituras do país

 

Novos dados do último Censo, divulgados no final de outubro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmam a tendência de envelhecimento da população nacional. No Rio Grande do Sul, o Estado mais idoso do país, o que o Brasil começou a vivenciar na década passada está em estágio ainda mais adiantado e demandará atenção especial para alguns fatores que surgem na esteira da transição demográfica.  

Uma pesquisa do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), indica que nos últimos 42 anos, enquanto a taxa de aumento da população foi de 1,3%, os benefícios previdenciários pagos no país avançaram 3,9%, na contramão do que seria indicado.  

A análise conclui: na década de 1980, existia uma aposentadoria para cada 15,3 habitantes, agora, há um benefício para cada 5,4 habitantes. O orçamento federal de 2024 contempla rombo de R$ 276 bilhões, algo próximo de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB), para a previdência. Projeções indicam que a cifra atinja R$ 3,3 trilhões, em 2060.  

Quando a análise enfoca somente os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) o problema ganha contorno mais profundo. É o que revela o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, ao avaliar que dos 497 municípios gaúchos, 331 contam com regimes próprio.  

O rombo nas contas, provocado por problemas nesses fundos municipais, atinge a marca de R$ 3,5 bilhões nas cidades do RS. Significa que quase 10% dos R$ 40 bilhões em rombos previdenciários mapeados nas 5,57 mil prefeituras do país está no Estado cujo envelhecimento da população é mais acelerado

No regime geral, o déficit da participação dos servidores municipais no INSS chega a R$ 190 bilhões, dos quais outros R$ 2,16 bilhões é a fatia das cidades do Estado. O dirigente lembra que para arcar com as aposentadorias próprias, hoje em dia, já é preciso lançar mão dos chamados recursos livres. São aqueles que têm origem nas arrecadações, a exemplo do ISS, ou em repasses como os do rateio do ICMS estadual.  

Na outra ponta, acrescenta Ziulkoski, significa deixar de investir em saúde e educação, justamente, as áreas que economistas e especialistas apontam como os destinos prioritário de investimentos em políticas públicas pensadas para amenizar os efeitos da transição demográfica. 

O desafio de sustentar o crescimento  

De acordo com os dados mais atuais, metade da população nacional tem até 35 anos, a outra, mais. Entre 2010 e 2022, por exemplo, a mediana no país passou de 29 anos para 35. Economista e ex-secretário da Fazenda do RS, Aod Cunha lembra que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil fará a sétima transição demográfica mais rápida da história documentada, à frente, inclusive, de locais da Europa que já sentem esses efeitos.   

Para se ter uma ideia, o ano passado já demarca aquele que é considerado o maior salto de envelhecimento entre dois censos no país desde 1940. É o que faz com que, atualmente, para cada 100 jovens existam 55 idosos no país.  

Com cada vez menos jovens e mais idosos, a falta de mão de obra característica dessa transição abre desafios de curto, médio e longo prazo para evitar custos ainda mais altos do que os associados com a nova configuração etária do país. 

Marcelo Neri, diretor do FGV social, aponta a necessidade de reinclusão das pessoas com 65 anos ou mais no mercado de trabalho. O processo tem por finalidade, comenta, equilibrar uma equação que resultará, em pouco tempo, na existência de mais brasileiros em idade avançada do que jovens.    

Em economia há uma máxima que diz: “os países precisam ficar ricos antes de envelhecer”. O ex-secretário da fazenda do RS, Aod Cunha explica que a frase se refere ao fato que as nações necessitam produzir mais no momento em que têm predomínio de jovens em atividade. É o que se chama de bônus demográfico.  

—  Infelizmente, o Brasil não aproveitou esse momento e cresceu menos do que a média mundial nesse período. Agora, não resta saída que não aumentar produtividade. Fazer mais com menos gente ativa para conseguir gerar riqueza suficiente ao bem-estar à sociedade — resume Aod.

Para isso, sustenta que será necessário planejar alguns fatores. O principal: o investimento em educação, capaz de formar capital humano mais qualificado. O problema: a situação ocorre em meio a uma transformação tecnológica sem precedentes na história mundial.  Trata-se da inteligência artificial (IA), que, entre outros aspectos, demandará ampla atualização dos currículos escolares, a fim de adaptar a formação para atividades menos manuais e mais analíticas: 

— A educação tem papel chave. Não há país no mundo que tenha saído de uma renda média ou baixa para situação melhor, sem que isso esteja correlacionado com mudanças significativas em termos de qualidade da educação. O bônus demográfico às vezes impulsiona o crescimento e mascara uma produtividade mais baixa. Isso acabou, a partir de agora, todo o nosso crescimento futuro virá da capacidade de aumentar a produtividade e ter políticas públicas que enfrentem esses fatores. 

O diagnóstico

  • Censo aponta que 14,1% da população gaúcha tem mais de 65 anos, percentual três vezes maior do que o registrado em 1980. 
  • No Brasil já são 10,9% da população acima dos 65 anos ou mais, em 2010, esse percentual era de 7,4%. 
  • O RS é também a unidade da federação com a menor taxa de crianças com até 14 anos, o que representa 17,5% da população, há quatro décadas, a proporção de crianças era de 32,4%. 
  • Em síntese, o índice de envelhecimento no Estado chegou a 80,4 idosos para cada 100 crianças de 0 a 14 anos.  
  • Em Roraima, que possui o menor índice a relação é de 17,4 idosos para cada criança, proporção quase cinco vezes menor do que a do RS.  
  • No país, das 5.570 prefeituras, 2.119, ou 38% das cidades, possuem regimes de previdência próprio com um rombo estimado em R$ 40 bilhões.  
  • No RS, dos 497 munícipios gaúchos, 331, ou 66,6% das cidades possuem regimes próprios com rombo avaliado em R$ 3,5 bilhões, o equivalente a 8,75% do total. 
  • Significa que o Estado mais grisalho do país é também aquele em que a proporção do déficit da previdência municipal é também a maior 
  • Ao todo, os sistemas próprios de previdência contemplam 4,2 milhões de servidores no país 
  • No Estado, são 228,2 mil aposentados e 50 mil pensionistas de regimes municipais, com um total de segurados que chega a 549,1 mil, contingente maior do que os 300 mil que frequentam a chamada força de trabalho em potencial do RS.  

Algumas soluções

  • Atender a demanda crescente e exponencial para serviços da área de saúde  
  • Investir em educação para qualificar o capital humano e aumentar a produtividade   
  • Revisar os modelos de previdência também em Estados e Munícipios 
  • Formular políticas para atrair idosos ao mercado de trabalho, semelhantes às implantadas no Japão onde há incentivos para cargas menores de trabalho para a população de idade avançada 
  • Redirecionar a classificação a exemplo do que fez a Itália, que passou a considerara a terceira idade o grupo de 65 anos até 75 anos e a partir dos 75 anos a quarta idade para melhor planejar políticas públicas específicas.  
  • Criar mecanismos capazes de mitigar despesas de saúde, medicamentos e cuidados pessoais, o que demandará também mais serviços oferecidos pela iniciativa privada.  
  • Ter sistema tributário menos complexo, ambiente econômico aberto, instituições que funcionam e boa infraestrutura para privilegiar investimentos e a migração de capital humano.   

 

Fonte: GZH *IBGE, FGV, CNM e economistas Aod Cunha, Marcelo Neri e Oscar Frank 

Foto: Fernando Gomes / Agência RBS

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