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MEC propõe sistema nacional e novas leis de combate ao bullying e aos crimes de ódio nas escolas

  • Data: 08/Nov/2023

Grupo de trabalho criado em abril para tratar do assunto propôs ações emergenciais para prevenir ataques

 

Um relatório fruto das atividades desempenhadas desde abril por um grupo de especialistas em violência nas escolas foi publicado na sexta-feira (3). Em 140 páginas, o documento, demandado pelo Ministério da Educação (MEC), apresenta dados como as características desses eventos e de seus autores, além de propor ações emergenciais a serem promovidas pelo Estado brasileiro para prevenir ataques às instituições. Entre as recomendações, está a elaboração de um sistema nacional de acompanhamento e combate a esses casos e a atualização das leis sobre crimes de ódio e bullying.

No total, foram mais de duas mil colaborações de 68 pesquisadores e representantes de entidades que atuam na elaboração e implementação de políticas públicas educacionais. Apesar de o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) ter sido criado em 5 de abril – a data do caso em uma creche em Blumenau –o estudo sobre a correlação entre o extremismo e esses atentados já vinha acontecendo no período de transição governamental. O material também inclui pesquisas internacionais, como documentos do FBI (departamento de investigação norte-americano), e nacionais, em especial de acadêmicos do Norte e do Nordeste.

O resultado, agora, servirá para embasar a Estratégia Nacional de Enfrentamento à Violência Extrema nas Escolas (Enave), que definirá metas específicas, prazos e responsabilidades.

Em nota, o MEC informou que o desenho desse plano de ação será apresentado a representantes de Estados e municípios, a fim de elaborar uma “pactuação interfederativa”. Representantes da sociedade civil também participarão da formulação.

— Não é fácil fazer um trabalho integrado, intersetorial, ainda mais sobre um tema tão sério como a segurança do ambiente escolar. A escola é um lugar em que a família acredita que seus filhos estão seguros. Então esse é um tema que precisa ter um olhar muito forte por nós e, também, pelos entes federados, para garantir que o ambiente escolar seja seguro — pontuou o ministro Camilo Santana, durante o último encontro do GTI, ocorrido na semana passada.

Relator do documento entregue, Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), entende que a pasta que tem se destacado nesse tema é o Ministério da Justiça, e que o MEC ainda está “tímido” nas ações de enfrentamento à questão.

— Em que pese o grupo de trabalho e ser o coordenador do grupo interministerial, o MEC ainda está muito tímido nas ações. O relatório, por exemplo, foi lançado na ponte de um feriado. Existe uma dificuldade em enfrentar esse tema que não é uma dificuldade da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade), o órgão ao qual estávamos trabalhando diretamente, mas do Ministério da Educação. O ministro Camilo Santana precisa assumir esse como um tema em que ele vai realizar o enfrentamento e tomar iniciativas — observa Cara.

Cenário atual

O levantamento contabilizou 36 ataques a 37 escolas brasileiras desde 2002. Os atentados vitimaram 164 pessoas, havendo 49 casos fatais e 115 pessoas feridas. Apesar de as armas de fogo terem sido usadas em menos da metade das ocorrências, elas causaram 38 mortes – em torno de três e cada quatro dos óbitos levantados.

Não foi constatada diferença real entre o registro de situações envolvendo escolas públicas e privadas. Todos os agressores eram do sexo masculino e foram motivados por discursos de ódio e/ou comunidades online de violência extrema. Normalmente, os crimes acontecem por imitação. Ou seja: se baseiam ou são inspirados em casos anteriores, o que explica o “efeito de onda”, no qual, quando uma situação é registrada, aumenta a chance de que outras ocorram nos meses seguintes.

No documento, os especialistas apontam o extremismo como o elemento central dos atentados às escolas. Muitos dos autores são adolescentes e têm vínculo direto com a comunidade escolar atacada. A cooptação desses jovens por grupos extremistas é comum e é feita, principalmente, em interações virtuais. As estratégias incluem humor, estética e linguagem violentas, especialmente misóginas, machistas e racistas, em plataformas utilizadas com fins de organizar comunidades de ódio e mobilizar ataques, resultando em impunidade, por conta do anonimato.

A identificação dos grupos extremistas é um trabalho feito pelas pesquisadoras Adriana Dias, falecida neste ano, Lola Aronovich e Letícia Oliveira. Elas constataram que essas comunidades são heterogêneas e dispersas. Em comum, têm uma visão extremista e mobilizada a partir da misoginia (ódio ou aversão a mulheres) e do racismo, que, gradualmente, incorpora elementos da cultura neonazista e fascista.

Quase sempre, os crimes são cometidos como uma reação a “ressentimentos, fracassos e violências” vividos por aqueles alunos e ex-alunos. Os integrantes do grupo de trabalho alertam, contudo, que o bullying não explica sozinho esse fenômeno, ainda que seja parte do problema – a situação é “multicausal” e envolve, por exemplo, uma falta de controle sobre discursos de ódio, cultura armamentista, desigualdade, violências institucionais, fragilidades na formação cidadã dos estudantes e na capacidade de mediação de conflitos pelos professores, além do crescimento do cyberbullying e do extremismo.

Propostas

Uma série de ações emergenciais foram definidas pelos especialistas, que, se adotadas, preveniriam os ataques. Entre elas, está a atualização das leis sobre crimes de ódio e bullying, a implementação de um Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (Snave), já previsto em lei sancionada em agosto, e a responsabilização de plataformas onde circulam conteúdos extremistas e de pessoas que compartilham vídeos de ataques e informações sobre autores dos crimes.

Para além disso, o grupo de trabalho alerta para a necessidade de criar uma cultura de paz nas escolas, garantindo uma melhor convivência, expandindo espaços destinados ao lazer, à socialização, aos esportes e à cultura e promovendo políticas de saúde mental. Confira no final da matéria a lista completa das ações propostas.

O professor da USP destaca que há exemplos, em especial na Escandinávia, de trabalhos bem-sucedidos de “descooptação” desses adolescentes, feitos por jovens que já participaram desses grupos.

— Na Escandinávia, há uma experiência premiada pela ONU que se chama “Exit”, que é “saída”, em inglês. São pessoas que foram desses grupos extremistas, saíram e, depois, entram novamente, para desmobilizá-los. Ela faz uma “descooptação”, ou uma “cooptação cidadã”, no sentido de tirar os jovens desses grupos de ódio — explica Cara.

O relator do estudo destaca que o problema dos ataques a escolas é global, e que, no passado, outros países registraram eventos semelhantes de forma contínua, mas conseguiram reverter a tendência. O pesquisador pontua que, por exemplo, escolas com gestões democráticas de longo prazo têm menos risco de sofrerem atentados, bem como instituições que apostam na resolução pacífica de conflitos.

As ações propostas

  1. Desmembrar e enfrentar a formação e a atuação de subcomunidades de ódio e extremismo, inclusive com ações de apoio aos jovens que são cooptados por esses grupos
  2. promover a cultura de paz; implementar um controle rigoroso sobre a venda, o porte e o uso de armas de fogo e munições; e desenvolver ações para monitorar clubes de tiros e similares, inclusive proibindo o acesso de crianças e adolescentes a armas e a tais espaços
  3. responsabilizar as plataformas digitais sobre a circulação de conteúdo extremista e ilegal
  4. responsabilizar as pessoas que compartilham vídeos de ataques e informações sobre os autores
  5. atualizar as leis sobre crimes de ódio (Lei nº 7.716/1989) e bullying (13.185/2015)
  6. regulamentar e implementar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas - SNAVE (Lei 14.643/2023) e a Lei 14.644/2023, sobre a instituição de Conselhos Escolares e de Fóruns de Conselhos Escolares
  7. melhorar a convivência e o ambiente de acolhimento nas instituições educacionais brasileiras, inclusive garantindo boa infraestrutura física e um espaço de interrelações dialógicas e inclusivas, com ênfase na gestão democrática, na promoção da convivência democrática e cidadã, e na resolução pacífica de conflitos
  8. garantir que as escolas possam funcionar a partir das determinações constitucionais e legais, com profissionais da educação valorizados, com adequadas formações inicial e continuada (inclusive sobre o tema em questão), e boas condições de trabalho
  9. promover políticas de saúde mental nas escolas, aumentando os investimentos na expansão e no fortalecimento da rede de atenção psicossocial, promovendo a saúde mental dos estudantes e dos profissionais da educação
  10. expandir espaços comunitários destinados ao lazer, à socialização, aos esportes e à cultura
  11. elaborar diretrizes, orientações e protocolos adequados à realidade brasileira para atuação após os ataques
  12. acordar com os veículos de comunicação e plataformas digitais protocolos sobre a cobertura dos casos de violências nas escolas e contra as escolas, evitando o estímulo a novos ataques, por meio do efeito contágio ou efeito de onda
  13. ampliar e aperfeiçoar o setor de inteligência sobre os crimes de ódio, além de estabelecer ações federativas articuladas sobre o tema dos ataques às escolas

 

Fonte: GZH

Foto: Mateus Bruxel / Agência RBS

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