Número de pedidos de recuperação judicial mais do que triplica no RS em um ano
Embora o custo do crédito tenha tido recuos discretos nos últimos meses, o patamar ainda elevado da taxa básica de juros dificulta a situação financeira das companhias que se endividaram na pandemia
A crise econômica gerada pela pandemia de covid-19 ainda deixa uma herança negativa aos negócios brasileiros que perderam produção e tiveram dificuldade de manter caixa durante a crise sanitária. O efeito que reverbera se traduz no aumento de pedidos de recuperação judicial no país.
Embora o custo do crédito tenha tido recuos discretos nos últimos meses, com a Selic em 12,25% ao ano, o patamar ainda elevado da taxa básica de juros dificulta a situação financeira das companhias que se endividaram na pandemia.
O número de empresas que entraram com pedidos de recuperação judicial em outubro foi o maior entre os meses de 2023, segundo levantamento feito pelo Serasa Experian. Foram 162 requisições, aumento de 19,1% sobre setembro. Em relação a outubro de 2022, o crescimento foi de 51,4%.
No Rio Grande do Sul, foram 11 requisições em outubro ante três em igual período do ano passado, o que representa alta de 266,6%.
Outra análise reforça o salto estadual. O RS desponta entre os Estados com mais empresas insolventes, conforme o Monitor RGF, que acompanha processos de recuperação judicial desde o segundo trimestre deste ano. Foi o Estado que mais entrou com pedidos no terceiro trimestre do ano, à frente de Rio de Janeiro e Bahia, que completam o topo do ranking. De abril a junho, o RS tinha o total de 262 empresas em recuperação judicial, saltando para 288 no trimestre seguinte.
Segundo o monitor, os principais setores afetados são os de fabricação de laticínios, armazéns gerais, construção de redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e construções correlatas e de fabricação de calçados de couro. A análise considera apenas os segmentos com mais de 1 mil empresas ativas no Brasil.
Mais de 3 mil empresas no país
No país, o levantamento do monitor indica que 131 empresas entraram em recuperação judicial no terceiro trimestre. Outras 79 saíram desse processo, das quais 23 foram baixadas (incorporadas ou encerradas sem pendências), 11 faliram e 45 retornaram à operação normal.
Em setembro, havia 3.872 companhias em recuperação judicial no Brasil, de um total de 2,1 milhões de empresas privadas de pequeno, médio e grande porte avaliadas pelo Monitor RGF.
Índice elaborado pela consultoria a partir dos dados aponta que, a cada mil empresas do país, 1,79 estavam em recuperação judicial no terceiro trimestre. No RS, o Índice RGF de recuperação judicial é de 2,08.
Especialistas avaliam motivos
Economia em crescimento abaixo do esperado, crédito caro e bancos pisando no freio depois do caso emblemático da Lojas Americanas são apontados pelos especialistas como os principais entraves para as companhias que ainda não conseguiram colocar as suas contas em ordem. Muitas delas ainda conciliam as dívidas contraídas durante a crise da covid, quando o crédito foi facilitado.
Segundo João Medeiros, sócio do escritório MSC Advogados e membro da comissão de recuperações judiciais do Conselho Federal da OAB, o quadro é um efeito tardio das "medidas paliativas" aplicadas na pandemia:
— Tivemos medidas como ampliação de acesso ao crédito, renegociação de dívidas, e houve uma injeção de capital na economia na qual muitas empresas se socorreram naquele momento. Mas era um cenário de Selic inferior, com um custo mais baixo do dinheiro. E depois o que se viu foi uma rampa neste custo do crédito. O descompasso se vê agora — avalia Medeiros.
Inadimplência
Ele diz que, especialmente no RS, o aumento de pedidos é considerável. Os casos neste ano têm como exemplos marcas conhecidas dos gaúchos, como o Grupo Brinox, de Caxias do Sul, a dona de empreendimentos de lazer Gramado Parks e, mais recentemente, a administradora do Instituto de Cardiologia, referência em saúde.
Na avaliação do economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, o salto nas recuperações judiciais e nas falências é consequência do aumento da inadimplência acumulada nos últimos anos.
— É uma bola de neve que vem se formando desde 2021 e que foi crescendo. E estamos vendo essa fase justamente em função do acúmulo de dívidas — diz Rabi.
Segundo os especialistas, os pedidos de recuperação judicial devem seguir em alta pelo menos até a metade de 2024.
— Vemos ainda muitas empresas em situação deteriorada — afirma Medeiros.
Entenda mais
O que é
A recuperação judicial é um mecanismo para que companhias em crise financeira renegociem seus passivos e evitem a falência. Quando o pedido é aceito, a empresa tem 60 dias para apresentar um plano de como irá se organizar.
Ou seja, a recuperação judicial permite empacotar o endividamento para tratar dele mais à frente, garantindo que se mantenham as obrigações em dia, como o pagamento de salários e a manutenção de empregos.
O impacto
Em geral, o setor de serviços é o que tem a maior quantidade de empresas recorrendo às recuperações judiciais. O setor foi um dos mais afetados pelos fechamentos durante a pandemia e depende do dinamismo do mercado consumidor doméstico para se manter.
Rodrigo Gallegos, sócio da RGF e especialista em reestruturação, cita ainda grande ocorrência entre as empresas familiares, que muitas vezes carecem de uma gestão profissionalizada do negócio.
De janeiro a outubro, quase 65% das 1.128 recuperações judiciais foram requeridas por pequenas empresas. Depois, vieram as médias (25%) e as grandes (10%).
Fonte e foto: GZH / Reprodução
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