Registros de casos de ameaça e lesão corporal contra mulheres aumentam no RS
De janeiro a novembro, foram 47 mil ocorrências desse tipo no Estado. Elevação é vista também como rompimento do silêncio, em razão da subnotificação da maioria dos casos
No mês passado, Ana Hickmann, 42 anos, procurou a polícia em São Paulo e relatou ter sido agredida pelo marido, num caso que ganhou repercussão nacional. A ocorrência indica que a apresentadora teria sido vítima de lesão corporal dentro de casa. Uma situação que se repete em muitos episódios de violência doméstica. No Rio Grande do Sul, de janeiro a novembro deste ano, foram 47,7 mil registros de lesão corporal e ameaça contra mulheres. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública do Estado.
O número de ocorrências de lesão corporal aumentou 9,3% no comparativo com o mesmo período do ano passado. Foram 17.739 mulheres agredidas nestes 11 meses. É como se a cada 27 minutos uma mulher gaúcha fosse agredida. Da mesma forma, as notificações de ameaças subiram 6%. Se considerarmos os registros policiais, a média é de um caso de agressão ou ameaça a cada dez minutos. Porém, os estudos de violência doméstica indicam que aquilo que é reportado à polícia está longe de representar o número real.
Diferentemente dos casos de feminicídios, que em geral não são subnotificados, quando se trata de outros tipos de violência, uma minoria chega ao conhecimento das autoridades. A maioria das mulheres ainda não consegue romper o silêncio. É por isso que, na visão da delegada Cristiane Ramos, titular da Divisão de Proteção à Mulher (Dipam) no Estado, a elevação dos registros pode ser vista como positiva.
— Há muita subnotificação. Quando a gente tem um aumento no registro me parece que talvez estejam se sentindo mais acolhidas pela rede de atendimento — avalia.
Segundo a delegada, a Polícia Civil investiu em cursos de atendimento e enfrentamento aos feminicídios para qualificar os policiais que atendem às vítimas. Em Porto Alegre, houve aumento do número de servidores no plantão, na tentativa de reduzir o tempo de espera por atendimento e impedir que as mulheres desistam de registrar.
— A gente oferecer um atendimento mais célere, mais qualificado, faz com que mais mulheres registrem ocorrência. É muito positivo isso — diz a delegada.
Promotora de Justiça do Ministério Público, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, Ivana Battaglin, ressalta que os dados de violência doméstica contra mulheres têm aumentado de maneira geral no país. Ela ressalta que a criação masculina, que ainda reforça estereótipos como o de que homens não choram, devem brigar e não demonstrar sentimentos auxiliam a perpetuar a cultura que resulta em conflitos e atos violentos.
— O aumento tem duas perspectivas: elas estão denunciando mais, mas também estão sofrendo mais violências. O fato de que se fala mais no assunto mostra às mulheres a possibilidade de denúncia. Aquelas que sofriam caladas estão começando a falar. Mas também está aumentando a violência. As mulheres estão mais cientes de seus direitos. Os homens, por outro lado, não estão preparados para essa independência. Estamos criando meninos como eram criados há 50 anos. Não ensinamos outra forma de masculinidade para os homens que não seja a violência — alerta Ivana.
Outra preocupação, segundo a promotora, é com a redução de investimentos em políticas públicas para proteger as mulheres, a nível nacional.
— Toda a rede precisa estar equipada e trabalhando junto. Tudo exige investimento. Essa mulher precisa ter uma rede de proteção, de apoio, que passa pela família, amigos e sobretudo o Estado. Às vezes precisa sair de onde está. É um local perigoso. Precisa encontrar creche, vaga na escola para os filhos. Ela precisa de políticas públicas que fomentem a inclusão dela no mercado de trabalho. São muitas as políticas que podem auxiliar a mulher a sair da violência. A condenação do agressor é importante, mas tão somente ela não vai resolver — diz a promotora.
Registrar antes da agressão
Tanto a ameaça como a lesão corporal são considerados crimes que evidenciam o risco de aquela mulher ser vítima de uma violência ainda mais grave, que é o feminicídio. Fazer com que as mulheres procurem ajuda cada vez mais cedo é o principal desafio. No ciclo da violência, há uma escala que se inicia muitas vezes com o controle, manipulação da vítima e xingamentos.
— Infelizmente, as pessoas ainda acham que elas precisam ter um hematoma, estar com um olho roxo para ir à delegacia. A gente vem desmistificando isso. O ciclo da violência não se inicia com o soco, a lesão corporal. Se inicia de maneira silenciosa, sutil, com aquilo que popularmente chamam de relacionamento tóxico. A atenção precisa acontecer já nesse início. Quando chega na violência física, está muito mais próximo do feminicídio. Ela pode muito antes sair desse ciclo, pedir medida protetiva, já a partir da ameaça, perseguição, injúria, de uma situação em que é menosprezada, humilhada por aquele parceiro — analisa a delegada.
A agressão se manifesta de diferentes formas contra a vítima de violência doméstica, mas os casos mais comuns envolvem o soco, especialmente no rosto. Há tipos de lesão que evidenciam ainda mais o risco de que aquilo evolua para o feminicídio, como o estrangulamento.
— É na lesão corporal que a violência se torna visível. Algo que era invisibilizado, não era visto por todos, passa a ser. Então, essas mulheres procuram (ajuda) nesse momento. E é um momento de maior risco porque já tem a violência física. A gente sabe que o feminicídio não é um ato isolado. Ele vai acontecer na sequência de uma série de violências. E a violência física é a mais próxima do feminicídio que a gente chega — explica Cristiane.
O risco da ameaça
Uma das frases comuns e consideradas de alerta pelas autoridades que combatem à violência contra a mulher é “se não for minha, não será mais de ninguém”. Esse tipo de comportamento indica que aquele homem não quer perder o controle sobre a mulher, e que pode vir a cometer um ato ainda mais grave para evitar isso.
— Ele entende que aquela mulher é propriedade dele. A gente jamais pode ver uma ameaça nesse contexto de violência doméstica, de Lei Maria da Penha, como apenas uma ameaça. Uma ameaça muitas vezes acaba se concretizando. Existem estudos que mostram que mulheres que sofrem feminicídio têm ocorrências anteriores de ameaças — diz a delegada.
Feminicídios caem 72% em Porto Alegre
Ao contrário das ameaças e lesões, os feminicídios reduziram no Estado, de janeiro a novembro. Isso tanto nos casos de tentativas, como naqueles em que as mortes foram consumadas. Foram 80 mulheres vítimas de feminicídio no RS neste ano, uma diminuição de 21,5%. Em Porto Alegre, os números caíram ainda mais: foram três casos neste ano, enquanto no mesmo período de 2022 tinham sido 11, uma redução de 72%.
Na análise da delegada Cristiane, um dos fatores que conseguiu ajudar a frear os feminicídios é o monitoramento dos agressores com uso de tornozeleiras eletrônicas.
— Uma das reduções mais drásticas que tivemos foi justamente em Porto Alegre, onde o programa começou, onde a nossa delegacia foi projeto piloto, desde maio de 2023. A gente gostaria de não ter nenhuma mulher morta por feminicídio, mas é uma utopia. A gente vive num país e num Estado machistas. A caminhada é muito longa — afirma a delegada.
No RS, houve redução no número de mulheres que morreram tendo medida protetiva. Enquanto no ano passado tinham sido 21 das 102 vítimas, neste ano foram 14 das 80 mulheres assassinadas.
Caminhos possíveis
- Incentivar as mulheres a denunciar no primeiro sinal de violência (não apenas física).
- Fomentar canais e facilitar acesso para que mulheres possam receber denúncias.
- Investir em políticas públicas para proteção às mulheres.
- Capacitar servidores para atendimento de vítimas de violência doméstica em diferentes esferas.
- Fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas.
- Tratar agressores, por meio de grupos reflexivos, para que não reincidam.
- Trabalhar a prevenção e debater o tema nas escolas.
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone - 190
- Horário - 24 horas
- Serviço - atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço - Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone - (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário - 24 horas
- Serviço - registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)
Fonte: GZH
Foto: André Ávila / Agência RBS
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