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RS tem 347 obras com recursos federais paralisadas

  • Data: 26/Jan/2024

Empreendimentos somam R$ 1,024 bilhão de investimento previsto

 

Creches inacabadas, terrenos apenas com a base da estrutura que deveria receber uma escola e estradas com reforma pela metade são cenas comuns em alguns municípios do Rio Grande do Sul. Esses locais fazem parte das 347 obras que usam recursos federais e estão paralisadas no Estado. O montante representa 28,5% do total de obras analisadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em solo gaúcho em mapeamento que abrange todo o país. Falhas em projetos, falta de recursos para contrapartida e má gestão de verba pública estão entre os principais pontos citados pelo tribunal e especialistas para explicar esse cenário. Já o governo federal tenta retomar alguns trabalhos por meio de programas de infraestrutura.

Juntos, os empreendimentos parados no Estado somam R$ 1,024 bilhão em valor previsto de investimento. Olhando pelo lado da verba já investida, são R$ 265,675 milhões. Os dados são de abril de 2023, período mais recente dentro da radiografia do órgão. No levantamento anterior, de agosto de 2022, eram 343 obras paralisadas e R$ 949,055 milhões em valor previsto de investimento

No país, são 8.603 obras paralisadas, o que representa 41% do total de intervenções. Relator do processo no TCU, o ministro Vital do Rêgo, afirmou que a interrupção desses empreendimentos afasta da população a possibilidade de melhoria no atendimento público.

— Esses problemas têm gerado impactos diretos e indiretos na população. Afinal, além do desperdício dos recursos públicos investidos, a paralisação impede a população de usufruir benefícios de cada bem público não concluído — disse o ministro durante a leitura do voto.

O levantamento do TCU aponta o mau planejamento dos empreendimentos como principal fator de paralisação de obras, tanto para trabalhos de baixo como de alto valor. Projeto básico deficiente, falta de contrapartida e falta de capacidade técnica para execução influenciam nesse movimento, segundo o órgão. O tribunal também cita a dificuldade de levantar dados diante da descentralização das informações, espalhadas em diversos ministérios e pastas. 

Problemas de gestão

A professora Juliana Mancuso, da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos, afirma que alguns municípios recebem o recurso público, mas têm dificuldade em conseguir honrar a contrapartida necessária para a realização da obra. Com isso, alguns projetos param no meio do caminho diante da falta de planejamento e gestão, segundo a especialista: 

— Muitas vezes o município vai receber um valor grande, mas que não é suficiente para toda a obra. E o dinheiro que a prefeitura tem que colocar não é o suficiente. Isso vai na linha do planejamento da cidade e também do governo federal, que precisa observar que o município não terá condições. 

Juliana reforça essa avaliação, destacando que é necessário um planejamento conjunto entre os entes envolvidos para garantir o andamento dos projetos até a entrega. 

O mestre em Direito e especialista em Gestão Pública Ney Francisco Hoff Júnior afirma que uma obra pública inacabada ou estagnada afeta diretamente a qualidade de vida das pessoas. No âmbito do coletivo, diminui o papel do poder público na busca por soluções: 

— Os entraves e morosidades na conclusão de obras públicas geram um impacto negativo no senso e crença de que o desenvolvimento e progresso de uma coletividade são realmente prioridades do Estado, ou seja, passamos a questionar o papel e a eficiência do Estado como instrumento de solução dos nossos problemas. 

O dado do TCU foca no total de obras paralisadas e a participação desse montante dentro do total de empreendimentos com recursos federais. Mostra um retrato de cada período, mas não destaca a evolução de cada empreendimento

Escolas inacabadas 

No Estado, 101 das 347 obras paralisadas são no âmbito da educação básica. Na sequência, aparecem intervenções de infraestrutura e mobilidade urbana, turismo, esporte e saúde entre os principais grupos (veja no gráfico). A reportagem de GZH visitou dois desses locais da área de ensino em 15 de janeiro. 

construção da Instituição de Educação Infantil Comunitária (Ieic) Clara Nunes, no bairro Lageado, no extremo sul de Porto Alegre, é um desses empreendimentos na área de educação. O local, projetado para receber 120 crianças, segue abandonado, com cenário que parece cena de filme pós-apocalíptico. Os trabalhos no local começaram em 2015, mas foram encerrados no ano seguinte após desistência da empresa responsável. A maior parte da estrutura chegou a ser levantada, mas paredes, piso e o que sobrou do telhado estão danificados, pichados e tomados pelo lixo e vegetação, que invadem o ambiente. 

Gabriela Moraes, 28 anos, mora em frente ao terreno que abriga a estrutura da creche. Além dos perigos provocados pela sujeira e abandono no local, ela lamenta ter uma estrutura tão perto de casa, mas que não está em funcionamento: 

— A gente podia estar aproveitando, porque tem várias crianças aqui. Eu também tenho uma, um menino. E quando vou trabalhar deixo o meu guri com a minha mãe. Podia ter uma creche bem aqui na frente de casa.

Morando na esquina da creche, Morgana Nunes Gonçalves, 34 anos, também lamenta a falta de utilização do espaço, que junta lixo e mato, que criam ambiente para animais e insetos. A parte da rua que fica bem em frente à obra está danificada, com diversos buracos, que dificultam a passagem de veículos e pedestres. 

— Acho que, com a creche funcionando, também podem reformar a rua, melhorando o acesso aqui na frente — relata Morgana. 

A prefeitura de Porto Alegre informa que a instituição está dentro do projeto de obras em escolas da Capital, assinado pela prefeitura e pela Unesco, que prevê intervenção em cinco unidades. Segundo o órgão, os projetos já foram licitados e estão em elaboração. No caso da Clara Nunes, as obras devem ser concluídas até o final de 2024, segundo cronograma. 

Outra obra no rol das paralisadas é a de construção da Escola Municipal de Educação Infantil Rincão da Madalena, no subúrbio de Gravataí, estagnada desde 2015. A reportagem de GZH revisitou o local cerca de um ano após mostrar a situação da obra, mas quase nada mudou. O terreno segue apenas com as fundações da instituição que deveria abrigar 220 crianças, goleiras improvisadas e mato que serve de pasto para cavalos, que dividem espaço com crianças jogando futebol. 

— Meu vizinho tá sempre limpando, mas tem um pessoal que não sei de onde vem, junta tudo quanto é lixo e vem largar ali. Se a gente vai falar alguma coisa ainda se incomoda — afirma Vânia Fernanda Mota, 45 anos, que mora em frente ao terreno da escola que nunca saiu do papel. 

A prefeitura de Gravataí informou que a obra está sendo repactuada neste momento para continuidade e será retomada assim que o governo autorizar.

Tentativa de destravar canteiros

A assessoria da Casa Civil informou, por meio de nota, que a atual gestão do governo federal “está determinada em retomar as obras paradas”. Algumas das ações nesse sentido são o mapeamento e inclusão desses empreendimentos no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e lei que institui o Pacto Nacional pela Retomada de Obras Inacabadas.

“A lei possibilita a retomada e conclusão de 5,6 mil obras na área da educação e 5,5 mil na de saúde. O Governo Federal trabalha para cumprir as recomendações do Tribunal de Contas da União e já deu início à retomada e conclusão de obras por todo o Brasil”, destaca trecho da nota da pasta.

Na semana passada, o Ministério da Educação divulgou nota onde cita a oportunidade de o Rio Grande do Sul retomar 104 obras paralisadas e inacabadas em 69 municípios do estado, por meio do Pacto Nacional pela Retomada de Obras e de Serviços de Engenharia Destinados à Educação Básica e Profissionalizante do Governo Federal. O MEC cita o investimento de R$ 126,9 milhões na conclusão das obras.

O anúncio contempla 57 unidades de educação infantil, entre creches e pré-escolas,  22 escolas de ensino fundamental, 18 novas quadras esportivas ou coberturas de quadras e sete obras de ampliação e reforma. Os números levam em conta as manifestações de interesse enviadas pelo Estado e municípios. Agora,  inicia a fase de diligências e de apresentação de documentos para avançar na retomada dos empreendimentos, segundo o MEC.

 

Fonte: GZH

Foto: Anselmo Cunha / Agência RBS

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