Estelionatos têm queda de 9,8% em 2023 no RS, mas média ainda é de 235 registros por dia
No ano passado, foram comunicados 85.784 casos de trapaças no Rio Grande do Sul; em 2022, tinham sido 95.182 ocorrências
Após acumular algumas dívidas, em novembro do ano passado, um morador de Porto Alegre decidiu se desfazer de uma guitarra que mantinha com apreço havia mais de uma década. Para isso, anunciou o instrumento por meio de um site. Após a negociação pela internet com um falso comprador, se viu vítima de um golpe. Por fim, ficou sem a guitarra, sem o pagamento e com as contas a pagar.
Casos como o dele não são incomuns. Em 2023, no Rio Grande do Sul 85.784 golpes foram comunicados à polícia. Em comparação com o ano anterior, houve redução de 9,8%, mas a média ainda é de 235 ocorrências por dia. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP).
Nos últimos anos, houve crescimento desse tipo de delito no Rio Grande do Sul. O salto se deu no período da pandemia do coronavírus, quando as pessoas passaram a realizar mais transações pela internet, em razão das medidas de isolamento. Em 2019, por exemplo, ano anterior à doença, o Estado tinha 29.294 registros de golpes. No ano seguinte, houve salto para 67.732 ocorrências e, em 2021, o Estado chegou a 92.067 notificações de estelionatos.
O ano passado foi o primeiro no qual o RS conseguiu derrubar novamente esse indicador. Em 2022, tinham sido 95.182 casos comunicados à polícia. Foram, portanto, 9.398 registros a menos em 2023 (veja gráfico abaixo).
Para as forças de segurança, pelo menos três fatores explicam essa redução: o enfrentamento aos grupos especializados em golpes, a prevenção e a subnotificação — quando as vítimas deixam de registrar os casos.
O combate às organizações criminosas que são responsáveis por uma série de golpes é uma das estratégias usadas pela Polícia Civil para tentar diminuir os casos. São grupos que se especializam nesse tipo de delito e que agem de forma estruturada. Nesta semana, a Polícia Civil gaúcha apoiou policiais catarinenses durante o cumprimento de 17 mandados de prisão preventiva, durante a Operação Damas do Golpe. O alvo da ofensiva foi um grupo que extorquia vítimas por meio do chamado golpe dos nudes. Foram cumpridos mandados em oito cidades do RS: Porto Alegre, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Nova Santa Rita, Sapiranga, Tramandaí, Salto do Jacuí e São Francisco de Assis.
Neste caso, a investigação se iniciou no começo de 2023, quando vítimas procuraram a polícia para informar que estavam sendo extorquidas por um perfil que usava o nome de um delegado de Santa Catarina. Os criminosos teriam conseguido obter pelo menos R$ 60 mil das vítimas, usando a imagem do policial. A investigação apontou, no entanto, que a quadrilha vinha agindo há mais tempo, e identificou a movimentação de R$ 2,8 milhões nas contas bancárias dos investigados.
Venda frustrada de guitarra
— Montaram um golpe muito bem feito— descreve o morador da zona sul de Porto Alegre, que foi alvo dos golpistas e prefere não se identificar na reportagem.
Aos 52 anos, ele decidiu se desfazer da guitarra para quitar as dívidas. O anúncio do instrumento, uma Jackson Dinky Arch Top JS32, foi feito por meio do site OLX. O vendedor pedia R$ 2,3 mil. Um dos interessados entrou em contato por WhatsApp. O falso comprador pediu que o pagamento fosse feito por meio do site. Logo depois, a vítima recebeu um falso e-mail confirmando a compra. Uma mensagem seguinte informava que o produto seria enviado por transporte por aplicativo.
— Um dos e-mails dizia que a OLX estava monitorando a entrega e que, quando ele chegasse no destino, ao finalizar a corrida, automaticamente o dinheiro entraria na minha conta. Veio o carro, coloquei a guitarra dentro. O comprador compartilhou a corrida comigo. Até aí, tudo certo. Fiquei acompanhando — explica.
Quando a corrida foi finalizada, no entanto, a vítima recebeu outro e-mail solicitando o pagamento de uma taxa de R$ 499 para liberar o dinheiro da venda. Ele voltou a entrar em contato com o golpista, que insistia que este era um procedimento comum.
— Na hora tu entra em desespero. Eu precisava receber aquele dinheiro. Pensei em pedir o valor emprestado, dar um jeito de arrumar essa grana. Ainda bem que eu não paguei a taxa. Ou ia tomar outro golpe — recorda.
Aos poucos, o vendedor se deu conta de que se tratava de um golpe, e decidiu procurar a polícia. O falso comprador ainda insistia por WhatsApp que ele deveria fazer o pagamento da taxa, antes de bloquear a vítima. O vendedor, que contava com o valor quitar algumas dívidas, precisou lidar com todo o transtorno.
— Não vendi por vender, vendi porque eu precisava. A sensação é muito horrível, ser enganado. Eu queria colocar em dia as contas. Eu nunca enganaria alguém assim e julguei os outros por mim — desabafa.
A trapaça não é desconhecida da OLX, que mantém em seu site orientações para tentar evitar esse tipo de crime. No chamado golpe do falso pagamento, o fraudador envia um falso comprovante em nome da empresa responsável pelo meio de pagamento, neste caso, a OLX. Depois de informar a compra, o golpista pressiona a vítima para que envie o produto.
Alguns golpistas ainda exigem o pagamento de taxas, para cancelamento da venda ou mesmo para liberação do valor. É mais uma forma de tentar tirar vantagem da situação. Em seu site, o OLX alerta que o vendedor não deve pagar essas taxas.
Golpes mais comuns
As trapaças pela internet ainda estão entre as mais cometidas pelos criminosos, que tentam obter uma vantagem fácil sobre as vítimas. Por meio das redes sociais, de aplicativos de mensagens e sites falsos, os bandidos conseguem altos valores sem a necessidade de se deslocar. É possível também fazer vítimas em série, independentemente do local onde elas estejam. Esses são alguns dos fatores considerados pelas polícias como mais desafiadores para identificar os bandidos por trás dessas trapaças.
Além do golpe dos nudes, outros bastante comuns, segundo o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), são os de falsos investimentos, pedidos de Pix se passando por parentes, hackeamento de perfis nas redes sociais, para usar a conta para falsas vendas de produtos ou pedir dinheiro a pessoas próximas.
Os dados
A maior parte dos golpes ocorridos no Estado no ano passado foi registrada em Porto Alegre. A Capital concentrou 19,3% das ocorrências, com 16.594 casos. Logo depois, vem Caxias do Sul, com 4.464, e Canoas, com 3.899. Ainda aparecem na lista de cidades com mais registros de golpes Santa Maria, Gravataí, Novo Hamburgo, Pelotas e São Leopoldo.
O mês de março concentrou o maior número de registros. Em todos os meses, houve queda no comparativo com o ano anterior. Em dezembro, a redução foi mais significativa, de 24,2%.
Prevenção
Outro fator apontado como essencial para esta redução dos registros de golpes é a prevenção, com a disseminação de informações sobre os casos mais comuns. Com as possíveis vítimas mais alertas, reduz a probabilidade de o estelionatário conseguir concretizar o crime. Alguns cuidados simples podem ajudar a evitar esse tipo de delito, como não acreditar em vantagens oferecidas. Essa é uma das principais formas de os golpistas tentarem fisgar as vítimas, independentemente do tipo de trapaça.
Algumas ações foram adotadas ao longo dos últimos anos, como a divulgação de cartilhas informativas sobre os golpes mais comuns. Recentemente, a Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) divulgou nova cartilha com orientações sobre como as vítimas podem proceder caso tenham, por exemplo, as redes sociais, como Instagram e Facebook, hackeadas.
Ali também é possível aprender como agir caso tenha o WhatsApp clonado pelos golpistas. Outra orientação que consta na cartilha é a possibilidade de solicitar o Mecanismo Especial de Devolução (MED), criado para casos nos quais a vítima tenha repassado valores aos golpistas por meio do Pix.
A divulgação de informações sobre os golpes também busca reduzir a subnotificação, incentivando as vítimas a registrarem todos os casos, mesmo quando o crime não chega a causar algum tipo de prejuízo.
Dicas para se proteger
- Não acredite em lucro fácil ou vantagens que pareçam muito atrativas. Essa é a principal estratégia dos golpistas para atrair vítimas
- Não acredite em desconhecidos que lhe abordam na rua ou por telefone. Não acesse links na internet dos quais não tem segurança. Desconfie
- Converse com familiares, amigos ou mesmo gerente de banco se tiver desconfiança. Estelionatários tentam criar meios de impedir que a vítima busque orientação, como mantê-la ao telefone, para que não seja alertada
- Tome cuidado ao imprimir segunda via de boleto em sites e ao fazer compras online. Golpistas podem criar sites falsos para enganar os clientes
- Quando fizer uma compra online, guarde num arquivo no computador o link da compra. Pode ser útil para a investigação, em caso de golpe
- Não faça depósitos bancários e nem recargas de celulares para quem não conhece.
- No caso dos leilões, verifique se os leiloeiros estão cadastrados junto ao Judiciário. As contas para depósito em leilões oficiais não são de pessoa física ou jurídica e, sim, judicial
- No WhatsApp, habilite a verificação em duas etapas e não forneça esse tipo de código por telefone. O mesmo cuidado vale para outros aplicativos — de compras e bancos — que tenham o recurso de verificação em duas etapas
- Em aluguéis de imóveis, desconfie de preços abaixo do mercado, se o dono exigir adiantamento e tiver pressa para que o depósito seja feito ou mesmo se o proprietário não aceitar atender a ligações ou se recusar a receber visita do locatário, para conferir a casa
- Se receber contato por telefonema ou mensagem de familiar pedindo ajuda, certifique-se de que é real. Telefone para a pessoa antes de qualquer transferência. Converse com outros parentes antes de fazer qualquer depósito
- Se estiver vendendo algo, não entregue o bem antes de ter certeza de que recebeu o valor do pagamento. Depósitos só são confirmados pelo banco após a conferência do envelope. Então, aguarde para enviar a mercadoria
- Se for vítima, registre o caso em uma delegacia da Polícia Civil ou pela Delegacia Online. Tente repassar aos policiais o máximo de informações sobre os golpistas
Fonte: GZH / Polícia Civil-RS
Foto: GZH / Reprodução
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