Alcoolismo: doença crônica traz consequências graves à saúde, mas pode ser superada
Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo é celebrado no dia 18 de fevereiro
Domingo (18) marca o Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo. Capaz de gerar consequências graves à saúde e aos relacionamentos, bem como destruir vidas, o alcoolismo é uma doença crônica. Contudo, é possível enfrentá-la: a dependência tem tratamento, e retomar o controle do próprio destino é possível – Luiz Cláudio Alves Ferreira, alcoolista em recuperação há sete anos, luta todos os dias para provar isso.
A importância do tema tem vindo cada vez mais à tona, sendo reconhecida e impulsionada por figuras públicas. Recentemente, Paulo Germano, colunista de GZH, também gerou repercussão e comoção com um depoimento sobre alcoolismo – o vídeo soma mais de 1,3 mil comentários nas redes sociais.
O alcoolismo – cujo termo científico correto é Transtorno por Uso de Álcool (TUA) – caracteriza-se pela repetição de problemas relacionados ao consumo. Há 11 critérios diagnósticos. Para identificar se uma pessoa é alcoolista, é preciso analisar se ela preenche os critérios.
— Com dois ou três sintomas dos 11 critérios, faz com que o indivíduo seja considerado com alcoolismo leve, com quatro ou cinco, moderado, e seis ou mais, grave. Vai aumentando a gravidade do alcoolismo — explica Félix Kessler, psiquiatra e chefe do Serviço de Psiquiatria de Adições e Forense do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
O médico afirma que a maioria dos critérios avalia a relação do indivíduo com a bebida, sobretudo no que diz respeito a sofrimento e/ou prejuízo – pessoal ou alheio. Em muitos casos, o paciente afirma que não percebe sofrimento, mas a família, sim. Os prejuízos, por sua vez, são variados, podendo ocorrer no âmbito profissional, afetivo, doméstico, entre outros. Portanto, nem sempre o alcoolismo está tão diretamente relacionado à quantidade ou à frequência do consumo, e sim, a esses aspectos. Quando eles começam a se materializar, é hora de buscar ou sugerir ajuda.
Sinais e critérios de diagnóstico, de acordo com o DSM-5
- Álcool é frequentemente consumido em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido
- Existe um desejo persistente ou esforços mal sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso de álcool
- Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção de álcool, na utilização de álcool ou na recuperação de seus efeitos
- Fissura ou um forte desejo ou necessidade de usar álcool
- Uso recorrente de álcool, resultando no fracasso em desempenhar papéis importantes no trabalho, na escola ou em casa
- Uso continuado de álcool, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados por seus efeitos
- Importantes atividades sociais, profissionais ou recreacionais são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso de álcool
- Uso recorrente de álcool em situações nas quais isso representa perigo para a integridade física
- O uso de álcool é mantido apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pelo álcool
- Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos: necessidade de quantidades progressivamente maiores de álcool para alcançar a intoxicação ou o efeito desejado; efeito acentuadamente menor com o uso continuado da mesma quantidade de álcool
- Abstinência, manifestada por qualquer um dos seguintes aspectos: síndrome de abstinência característica de álcool; álcool (ou uma substância estreitamente relacionada, como benzodiazepínicos) é consumido para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência
Causas do alcoolismo
O alcoolismo é multifatorial, conforme especialistas. Como em quase todos os transtornos mentais, o componente genético é um fator “extremamente importante”, de acordo com o psiquiatra. Também há outros, como os sociais, culturais e ambientais. Estes incluem experiências traumáticas na infância, como abuso físico, emocional ou sexual; a pressão do ambiente para o consumo; normas sociais que permitem ou incentivam o uso excessivo; e a associação do ato com felicidade e alegria. Além disso, há um grande poder de influência da família e dos amigos para o consumo, o que pode aumentar o risco de desenvolvimento da doença.
As próprias políticas dos países têm influência nesse cenário. O Brasil ainda é permissivo, com fácil acesso a bebidas. A falta de fiscalização, o consumo por menores e festas open bar também facilitam o uso excessivo.
Além disso, a condição de saúde e até mesmo questões biológicas (como alterações na neuroquímica do cérebro) podem predispor alguns indivíduos ao desenvolvimento. Há ainda fatores psicológicos: problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e traumas não resolvidos podem contribuir para o transtorno. O fator individual, é claro, aumenta a chance de ter mais ou menos compulsão e impulsividade.
— Normalmente, esses elementos interagem de maneira complexa, e a vulnerabilidade pode variar de indivíduo para indivíduo. A compreensão desses fatores é crucial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção e tratamento — aponta Nino Marchi, psicólogo especialista em dependência química.
Riscos e consequências para a vida
O alcoolismo traz riscos e consequências nas mais diversas áreas: da saúde física e mental às relações familiares e de trabalho.
— O álcool é uma substância psicoativa com propriedades geradoras de dependência que tem sido amplamente utilizada em muitas culturas há séculos. O uso nocivo do álcool provoca um elevado fardo de doenças e tem consequências sociais e econômicas significativas — ressalta o psicólogo.
O consumo excessivo da substância é um fator causal em mais de 200 doenças e lesões, de acordo com o Ministério da Saúde. Os problemas clínicos podem estar associados, por exemplo, a câncer no trato gastrointestinal, doenças cardiovasculares e cirrose alcoólica – resultando, por vezes, na necessidade de transplante de fígado. Em relação ao cérebro, o uso crônico, associado à hipovitaminose, especialmente nas pessoas que se alimentam mal, pode causar atrofia ou trazer prejuízos às funções cognitivas, podendo levar a comportamentos mais impulsivos, imediatistas e inconsequentes, segundo Kessler.
Em relação à saúde mental, os especialistas destacam uma importante associação do alcoolismo com transtornos como ansiedade, irritabilidade e sintomas depressivos (muitas vezes agravados pelo uso crônico de álcool, um depressor do sistema nervoso central). Também há transtornos relacionados a estresse, traumas e sono. Durante a abstinência, além de convulsões e tremores, podem, inclusive, surgir outros sintomas psiquiátricos, como desconfiança excessiva, especialmente quando há diagnósticos como transtorno de humor bipolar – outros transtornos, como também a esquizofrenia, muitas vezes ocorrem concomitantemente ao alcoolismo.
Na família, há especialmente o risco de violência e agressividade, bem como falta de paciência. Também podem decorrer acidentes, de trânsito, no trabalho ou em casa, e agressões mais graves, como homicídio, além do aumento do risco de suicídio. No âmbito profissional, pode acarretar prejuízos devido a faltas ao trabalho ou diminuição da produtividade.
Tratamento é possível
Por ser uma doença complexa, o alcoolismo afeta não somente o corpo, mas a mente e o comportamento das pessoas, frisa Marchi. Porém, a condição pode ser tratada, com o auxílio de equipes multidisciplinares. O primeiro passo é buscar ajuda – ou incentivar o alcoolista a procurá-la.
Primeiramente, sugere-se uma avaliação psiquiátrica e clínica, com exames físicos e psicológicos, explica Félix Kessler, psiquiatra do HCPA. Em seguida, pode-se iniciar tratamentos medicamentosos, incluindo, por exemplo, Naltrexone e Dissulfiram para o alcoolismo. Concomitantemente, recomenda-se a psicoterapia, especializada em adições – como Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e estratégias de prevenção de recaídas, para modificar pensamentos, emoções e comportamentos, explicam os especialistas. Também é indicada a participação em grupos de apoio, de terapia ou de autoajuda.
No Hospital de Clínicas, o Serviço de Psiquiatria de Adições e Forense conta com terapia familiar, grupos, entre outros componentes de tratamento. Qualquer posto de saúde ou Centro de Atenção Psicossocial (Caps) pode encaminhar o paciente para o serviço, o qual frequentará algumas vezes por semana.
— Não é fácil parar de beber. É bastante difícil. Geralmente, envolve a participação da família e uma equipe multidisciplinar, com vários tipos de técnicas. Para aquele paciente que participa com uma frequência adequada, tem um bom índice de recuperação. Depende muito da participação e da motivação — afirma o psiquiatra.
Quando há risco maior ou baixa motivação para ir ao ambulatório, em alguns casos, é indicada a internação. Existem ainda outros dois tipos, contra a vontade do paciente: a involuntária, feita pela família, e a compulsória, por via judicial. Ambas ocorrem por meio de encaminhamento médico, no caso de risco para a vida do paciente ou de outra pessoa. Além dos serviços em ambulatórios e internações, há as comunidades terapêuticas, onde é possível realizar tratamentos de longo prazo, caso o paciente deseje.
Ainda que o alcoolismo seja uma condição que possa ser controlada e mantida sob remissão, ela não tem “cura”, no sentido tradicional da palavra, alerta Marchi.
— A recuperação a longo prazo é quando o paciente consegue ressignificar a vida sem o álcool. Quando o álcool perde o sentido. Mas é um trabalho de muitos anos de psicoterapia e de compreensão, para conseguir chegar nesse nível de reavaliação e de poder se sentir feliz mesmo sem o consumo de bebidas. A gente costuma dizer que o paciente está sempre em recuperação — especifica Kessler.
Onde buscar ajuda
Muitos consumidores abusivos ou mais frequentes, sobretudo homens, não se reconhecem como pessoas que bebem de forma prejudicial à saúde, aponta Marchi.
— É difícil reconhecer a necessidade de procurar ajuda profissional, o que pode ser uma barreira tanto para o portador de transtornos do consumo de álcool quanto para seus familiares e amigos — pontua.
Além disso, nem sempre existem juízo crítico e motivação suficiente para enfrentar o problema sozinho. Para quem não consegue administrar a situação, mas há sofrimento ou prejuízo, para si ou para outros, é indicado solicitar ajuda – procurar ajuda profissional pode ser o primeiro passo para a recuperação.
Muitos locais e grupos oferecem auxílio e tratamento. Um dos mais conhecidos – e onde a ajuda é sempre garantida e gratuita – é o Alcoólicos Anônimos. No RS, existem grupos em diversas cidades. Em Porto Alegre, há cerca de 30, com reuniões diárias, em diversos horários. No site, é possível localizar endereços, dias e horários de reuniões em todo o Brasil. Também são feitas reuniões online, preenchendo quase 24 horas com opções.
— Os grupos se reúnem para receber os alcoólicos que procuram ajuda, para trocar experiências, forças e esperanças, com um único propósito: mantermo-nos sóbrios e ajudar outros a alcançarem a sobriedade — afirma um membro do AA Cidade Baixa e AA Bom Fim, com quase 30 anos de abstinência, que prefere manter o anonimato.
Também há grupos que buscam ajudar familiares e amigos de alcoolistas, como o Al-Anon e Amor-Exigente. Além disso, os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps AD) oferecem atendimento especializado e gratuito para dependentes químicos – incluindo alcoolistas. Contudo, Unidades Básicas de Saúde, ambulatórios de saúde mental, demais Caps e hospitais gerais também estão capacitados para o cuidado.
Caps AD
Em Porto Alegre, o espaço de referência é o Caps AD IV , no bairro Floresta. O acesso pode se dar por livre demanda para usuários de uso abusivo de qualquer substância. Uma equipe multiprofissional realiza atendimentos individuais e oferece grupos e oficinas terapêuticas diariamente.
O tratamento é definido no plano terapêutico singular, conforme as características e necessidades do paciente. Ainda que não haja um perfil definido de alcoolista, mais homens costumam procurar atendimento no local. A maior dificuldade é a adesão ao tratamento, visto que muitos pacientes são pessoas em situação de vulnerabilidade social e moradores de rua, conforme Catia Favreto, coordenadora do local.
— Quando o usuário vem procurar, é porque está muito necessitado. Muitos vêm com vergonha, com medo, já perderam tudo, famílias, amigos, emprego, casa, e têm muita vergonha de dizer que são usuários de alguma substância, do álcool também — observa.
No Caps AD IV, uma das oficinas promovidas para os tratamentos é a Quarta Musical, na qual usuários podem tocar instrumentos e se expressar.
— As oficinas são muito terapêuticas. Dependendo do tipo de atividade, elas ajudam o usuário a relaxar, a colocar para fora suas frustrações, seus medos. Mas as oficinas de música são extremamente importantes, elas deixam o usuário mais calmo, mais relaxado, e consegue soltar todos os seus traumas — avalia.
Fonte: Gaúcha ZH
Foto: Marcelo Casagrande / Agencia RBS
Outras notícias
-
Passar muito tempo sentado pode aumentar o risco de problemas cardíacos, aponta estudo
Pesquisa revela que mais de 10 horas diárias de comportamento sedentário elevam o risco de insuficiência cardíaca e morte cardiovascular Passar um longo período sentado ou deitado pode ser mais perigoso para o cora&cce ...
Saiba Mais -
Cães conseguem sentir emoções dos tutores por meio da frequência cardíaca, aponta estudo
Análise revela que conexão entre humanos e cachorros vai além do emocional A sensação de estar em sintonia com o seu cão pode ser mais real do que parece. Um estudo da Universidade de Jyväskyl&au ...
Saiba Mais