Volume de entulho de construção gerado no RS pelas enchentes pode chegar a 46 milhões de toneladas
Especialistas alertam para o risco de sobrecarga nos aterros e a importância de ser feita gestão adequada da expressiva quantidade de resíduos sólidos que estão surgindo, com os estragos causados pela cheia
Com a destruição causada pelas enchentes no Rio Grande do Sul, o volume de entulho gerado no Estado pode chegar a 46,7 milhões de toneladas. É o que mostra um levantamento conduzido por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com a empresa Mox Debris e voluntários.
De acordo com o estudo, foram atingidas cerca de 400 mil construções em áreas urbanas, inundadas parcial ou totalmente. É possível estimar a quantidade de resíduos sólidos gerados analisando a mancha de inundação nos municípios, a profundidade e velocidade da correnteza, bem como o tempo de exposição dessas estruturas às intempéries. Com o passar do tempo, a água contaminada vai se infiltrando e danificando ainda mais os edifícios, casas, móveis e equipamentos urbanos e industriais.
O estudo do IPH foca somente nos resíduos de construção civil, uma vez que o impacto nessas estruturas gera um volume de entulho muito mais expressivo. Principalmente em municípios onde a correnteza da água chegou a varrer bairros inteiros, como no Vale do Taquari. Ou seja, em locais onde houve enxurradas violentas, é provável que o problema do lixo seja ainda mais grave.
Somente na região da bacia do Rio Taquari, a estimativa é que sejam geradas 5 milhões de toneladas de entulho. Os dados levam em consideração imagem de satélite que mostra a mancha de inundação até o dia 6 de maio. Portanto, na prática, é possível que o número seja ainda maior. Além disso, a modelagem considera todas as edificações como dotadas de piso único, somente, para garantir maior precisão.
Destinação adequada
Essa realidade acende um alerta para a importância da gestão adequada desses resíduos, ressaltam especialistas ouvidos por GZH.
— Mesmo que o número real seja menor do que essa estimativa, os aterros que temos não darão conta dessa quantidade de entulho. Esses aterros não têm capacidade de absorver todo esse resíduo. Por isso, novos locais terão de ser criados, e os resíduos terão de ser transportados para locais intermediários, enquanto isso. Muitos aterros também estão inacessíveis, em maior ou menor grau, por conta das estradas interrompidas — afirma Guilherme Iablonovski, cientista de dados espaciais na Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), um dos coordenadores do estudo.
A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do RS (Sema) compartilha da preocupação. Segundo a secretária Marjorie Kauffmann, ainda não é possível mensurar a quantidade de resíduos sólidos gerados pelas enchentes no Estado, mas certamente o impacto será “gigantesco”. De acordo com ela, no ano passado, foram geradas cerca de 100 mil toneladas de entulho no Vale do Taquari após a enchente de setembro, conforme levantamento realizado em nove municípios.
— Estamos trabalhando na orientação para que os rejeitos da enchente não sejam misturados ao resíduo sólido urbano, que é o lixo gerado todos os dias, para que a gente consiga armazenar esse rejeito em um local adequado, com a minimização do impacto no meio ambiente. Geralmente recomendamos antigas pedreiras, onde possamos fazer uma segregação, ou ainda uma destinação final do que não poderá ser reaproveitado — afirma a secretária.
Alternativas
Diante da incapacidade dos aterros para comportar essa quantidade de resíduos, os especialistas defendem que seja feita a reciclagem de certos tipos de entulho, e não apenas o reaproveitamento, para evitar a sobrecarga dos aterros e minimizar o problema de uma forma segura.
Segundo Guilherme Iablonovski, o ideal seria que fossem separados materiais como madeira e concreto, que possam ser processados e transformados em matéria-prima para a construção civil, ou ainda em chapas de MDF, no caso da madeira. O pesquisador diz que isso poderia não apenas facilitar a gestão dos resíduos em aterros, mas também reduzir os custos de transporte dessas toneladas de materiais.
Marta Tocchetto, professora aposentada do Departamento de Química da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), complementa que os próprios aterros sanitários devem ser muito bem-preparados para receber os resíduos, bem como os locais provisórios, também conhecidos como áreas de transbordo. Essa também é uma orientação da SEMA para os municípios, que têm a gestão dos resíduos sob sua tutela.
— Em geral, estes chamados aterros temporários não foram preparados adequadamente, com impermeabilização do solo, para que este material fique depositado. O ideal é que os resíduos fiquem o mínimo de tempo possível nestes locais. Se não, certamente haverá contaminação do solo. Um aterro é uma obra de engenharia, com uma série de critérios condicionantes para sua localização, que precisam ser atendidos para a implantação. Se não, estaremos apenas tirando o problema de um lugar e levando para outro — explica a pesquisadora, que é especialista em poluição.
Outro problema apontado por Marta é a necessidade de agilidade para a gestão dos entulhos. Como não houve a separação deste lixo direto na origem, como acontece normalmente, muitos materiais inertes acabaram se misturando com resíduos perigosos e tóxicos. Além disso, toda essa sujeira poder atrair vetores para a transmissão de doenças, gerando um problema de saúde pública.
Um exemplo são as substâncias presentes em automóveis, como óleo e combustíveis, tendo em vista que muitos veículos ficaram submersos por vários dias. Com o passar do tempo, o lodo acumulado fica cada vez mais contaminado por esse tipo de resíduo, bem como os materiais que não são tóxicos. Por isso, ao realizar a separação dos resíduos, é preciso ter muito cuidado e priorizar materiais maiores, que possam ser facilmente identificados.
— Esses resíduos começam a gerar mau cheiro, atrair vetores. Esses materiais precisam ser levados a algum lugar, mesmo que em áreas de transbordo, onde possa ser realizada a separação do que é possível, e depois o encaminhamento a um aterro urbano. Junto dos materiais inertes, vai ter não inertes, materiais orgânicos, de fácil decomposição, como lama, restos de comida, resíduos de serviços de saúde. Tudo isso também vai entrar em decomposição. Temos um risco de contaminação química e biológica — destaca Marta.
Novo aterro em Gravataí
Em Porto Alegre, foi adquirido nesta quarta-feira (22) de forma emergencial um aterro de inertes localizado em Gravataí, para onde serão destinados os resíduos das enchentes na Capital. Conforme o diretor-geral do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), Carlos Alberto Hundertmarker, o aterro de inertes em Gravataí tem capacidade de receber de 77 a 180 mil toneladas de lixo.
No momento, os entulhos estão sendo depositados de forma emergencial em áreas chamadas de “bota-espera” pela prefeitura, ou seja, locais provisórios. O DMLU montou quatro áreas, em diferentes regiões da cidade; um na Zona Norte, entre os bairros Sarandi e Humaitá. Outro no aterro do bairro Serraria, na Zona Sul, que já está em funcionamento. E outros dois na região central: em terreno na Avenida Loureiro da Silva, próximo do prédio da Receita Federal, e outro nos arredores da Usina do Gasômetro.
Até a noite de segunda-feira (20), já haviam sido recolhidas 2,4 mil toneladas de resíduos descartados pelos moradores, como sofás, colchões, armários e roupas, mas esse volume deve ser multiplicar nas próximas semanas.
— Essas 2,4 mil toneladas são só o início. Nas áreas em que a água foi baixando, já estamos recolhendo, mas ainda temos muitas áreas alagadas na Zona Norte e na região das Ilhas. Ali, temos muitas áreas habitacionais com casas de madeira, regiões de grande vulnerabilidade social. Teve muitas casas perdidas em sua totalidade. Certamente há um grande volume de resíduos que se acumulou ali — afirma Carlos Alberto.
Conforme o diretor do DMLU, até o momento, não está prevista operação de separação destes materiais para que sejam reciclados, com o intuito de preservar a saúde dos colaboradores, tendo em vista os riscos de contaminação. A coleta seletiva segue acontecendo normalmente em Porto Alegre, no caso dos resíduos gerados diariamente nas residências, sem levar em consideração materiais oriundos da enchente.
Ele diz que as áreas de transbordo utilizadas de forma emergencial foram certificadas pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). A prefeitura também divulgou, nas redes sociais, orientações para que as pessoas deixem seus móveis e demais materiais contaminados pela água da enchente nas calçadas, para que sejam recolhidos pelo órgão.
Fonte: GZH
Foto: Jefferson Botega / Agência RBS
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