Acúmulo de entulho pode gerar problema de saúde pública a municípios afetados pela enchente
Além de aumentar presença de animais peçonhentos, toneladas de resíduos sólidos espalhadas pelas cidades podem atrair vetores, disseminando zoonoses e doenças infecciosas
Com a catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul, além dos perigos trazidos pela água contaminada, o excesso de entulho acumulado nos municípios também potencializa os riscos à saúde dos gaúchos. Em Porto Alegre, até a última quinta-feira (23), foram recolhidas mais de 7 mil toneladas de resíduos sólidos oriundos da enchente. No Estado, é possível que o volume de entulho alcance 46 milhões de toneladas, conforme cálculo de pesquisadores.
Por isso, é provável que o trabalho de limpeza das cidades leve meses, o que possibilita a proliferação de cada vez mais bactérias e microrganismos. Muitas pessoas ainda não tiveram como limpar suas casas, já que bairros seguem debaixo d’água. Com esse acúmulo de resíduos por período ainda indeterminado, a tendência é que aumente a presença de animais e de vetores que podem transmitir doenças, acarretando um problema de saúde pública.
É o que diz a professora Terimar Facin Ruoso, do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM):
— Temos muitas possibilidades de doenças que podem surgir com esse cenário, e pouco suporte no atendimento médico, nesse momento. Apesar dos esforços do governo e das pessoas para lidar com essa crise, será impossível de resolver esse problema a curto prazo. Exemplo disso é o aumento de casos de suspeita de leptospirose — afirma a pesquisadora.
A sobrecarga nos serviços médicos já tem sido observada em Porto Alegre, por exemplo, devido ao impacto das enchentes para profissionais que atuam na assistência. Conforme a médica infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) Caroline Deutschendorf, já houve aumento de pacientes com suspeita de leptospirose internados na instituição, bem como de pessoas com doenças respiratórias crônicas, afetadas pela onda de frio no Estado.
Conforme a médica, é comum que bactérias como coliformes fecais se desenvolvam em meio ao lixo. Esses microrganismos podem se proliferar e causar doenças diarreicas e inflamação no intestino grosso, em casos mais graves. Por isso, a limpeza deve ser feita com agilidade.
— Quanto antes forem removidos esses resíduos, menor é a chance de termos essas doenças. Esses vetores vão se acumulando e se proliferando constantemente. Teremos um aumento muito maior nas doenças se os materiais não forem removidos, principalmente das infecciosas. Quanto mais cedo fizermos a limpeza, menos vetores estarão circulando em meio à população — diz Terimar.
Animais e microrganismos trazem riscos
Em relação ao entulho, outro risco apontado por Caroline é que esses materiais funcionam como grandes reservatórios para animais se esconderem, como aranhas, serpentes, escorpiões e lacraias, que são peçonhentos, bem como ratos e outros animais que podem transmitir zoonoses. Segundo a médica, ao recolher os entulhos, moradores e catadores devem tomar cuidado para evitar esses acidentes.
— Quando temos esse lixo acumulado a gente fornece para esses animais, especialmente ratos, os “4A”, principais fatores que propiciam a proliferação de pragas urbanas: água, alimento, abrigo e acesso. Isso pode aumentar os casos de Hantavirose, por exemplo, zoonose causada por ratos silvestres que hoje tem pouquíssimos casos, tivemos só um no RS neste ano. Podemos acabar tendo casos de doenças que não são comuns na nossa região — explica Terimar.
A professora destaca que muitos desses animais silvestres podem estar migrando, tendo em vista que o ambiente natural em que viviam também foi devastado pela cheia. Isso pode contribuir para que os animais se desloquem para os grandes centros urbanos.
— No momento que o meio ambiente é afetado, toda a saúde desse ambiente é alterada também. Como resultado disso, os microrganismos podem se proliferar mais do que o normal, causando a disseminação de doenças — afirma a pesquisadora.
Outro risco ocasionado pelo entulho acumulado é o desenvolvimento de mofo. Como muitas pessoas estão com móveis e demais pertences submersos em suas casas, a quantidade de resíduos sólidos deve se multiplicar nas próximas semanas. As especialistas ressaltam que é preciso ter cuidado com o mofo, que pode favorecer doenças respiratórias, como a pneumonia.
Quando se trata do contato direto com o lixo, além de alergias respiratórias, ainda há perigo de contrair dermatoses. Substâncias químicas presentes nos entulhos podem causar reações alérgicas, como doenças de pele, unhas, cabelos e mucosas causadas ou agravadas por agentes. Vale lembrar que os materiais podem ter sido contaminados por diversos resíduos tóxicos presentes na água da enchente. Portanto, ao realizar o recolhimento dos materiais e limpeza das casas, é preciso tomar uma série de cuidados.
Cuidados necessários
No início do mês, o Centro Estadual de Vigilância em Saúde divulgou um guia voltado à população e aos profissionais de saúde, sobre os riscos e cuidados em situação de enchentes. O material traz orientações relacionadas a infecções transmissíveis, doenças relacionadas ao consumo de água ou alimentos contaminados, como hepatite A, enfermidades transmitidas pelo contato com a água das inundações, como leptospirose, alergias e problemas respiratórios, acidentes com animais peçonhentos e condições sanitárias em abrigos.
O material traz uma série de orientações à população, reforçadas pelas especialistas ouvidas por GZH. A principal é o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) sempre que for necessário entrar em contato com os entulhos oriundos da enchente. Botas de borracha, roupas impermeáveis e luvas são indispensáveis.
Terimar ressalta que microlesões são imperceptíveis, muitas vezes, mas que são suficientes para que as bactérias penetrem no corpo. A exposição prolongada à água contaminada também pode causas problemas. Por isso, além de usar EPIs, é necessário utilizar água sanitária ao realizar a limpeza de superfícies e utensílios na casa, de modo a eliminar o máximo possível de bactérias.
Fonte: GZH
Foto: Duda Fortes / Agência RBS
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