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Montanha de entulho gerado pela enchente expõe urgência de mudanças

  • Data: 28/Ago/2024

Levantamento elaborado por pesquisadores da UFRGS, em parceria com a empresa Mox Debris, estima o volume de resíduos ocasionados pela cheia. Para especialistas, grande parte dos itens descartados pode ter potencial para outros usos se encaminhada à reciclagem correta

Quando montanhas de entulho se espalharam por ruas e avenidas dos locais mais afetados pela enchente, pouco se sabia da quantidade que aquilo representava, mas já se imaginava o tamanho do impacto social e ambiental daquele lixo para depois que a água baixasse. O descarte acumulado expôs a urgência sobre o quanto as cidades precisam estar preparadas para tratarem dos seus dejetos e o que é possível aprender com a catástrofe que foi colocada. 

Levantamento elaborado por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com a empresa Mox Debris e voluntários, estimou que o volume de entulho no Estado poderia chegar a 47 milhões de toneladas. Não é um cálculo exato, pelas dificuldades naturais de se medir o impacto, mas demonstram a dimensão da tragédia climática. 

Deste lixo, parte considerável inclui o resíduo inerte, que é aquele que resulta sobretudo da construção civil e que envolve restos de concreto, madeira entre outros materiais. 

O que fazer com este amontoado de coisas se tornou o centro do pós-enchente. Para os especialistas ouvidos pela reportagem, grande parte dos itens descartados podem ter potencial para outros usos se encaminhados à reciclagem correta

Guilherme Iablonovski, arquiteto, cientista de dados espaciais na Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) e um dos coordenadores do levantamento, explica que existem dois momentos a serem considerados neste tipo de crise em que o nível da água fica elevado por muito tempo. 

Primeiro, são os resíduos que se acumulam logo nos primeiros dias de enchente. Depois, quando a terra seca e o solo começam a deformar, são as construções com problemas estruturais que começam a ruir e precisam ser demolidas. Cada tipo de lixo exige uma destinação adequada

— Como não temos aterros sanitários suficientes, temos que conseguir separar o resíduo inerte do resíduo com o qual não há o que fazer. Há coisas que são passíveis de reciclagem, como telha, madeira... São inúmeras as utilidades. Concreto pode virar material para cimento e fundação de casas, madeira pode ser triturada. Há vários usos para esses itens e que não precisam desperdiçar espaço nos aterros — diz Iablonovski. 

Impactos sociais e ambientais 

Quando decantado por muito tempo, o entulho acumulado passa a se tornar um problema não só ambiental, mas também social. O lixo começa a se decompor e, além do mau cheiro que causa, potencializa os riscos de contaminação do solo e da água. Também atrai a presença de roedores, o que aumenta o risco de transmissão de doenças. 

Como não temos aterros sanitários suficientes, temos que conseguir separar o resíduo inerte do resíduo com o qual não há o que fazer.

GUILHERME IABLONOVSKI

Arquiteto, cientista de dados espaciais na Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU)

Em Porto Alegre e na Região Metropolitana, tornaram-se visíveis os focos de fumaça partindo dos descartes, sinal da deterioração dos materiais. Um perigo potencial para a saúde das populações residentes ao entorno desses locais.   

— Agora que passou a ajuda emergencial, dependemos do que é estabelecido para a coleta desses resíduos. Fato é que a modelagem diz que levaremos vários anos para a limpeza de todo o Estado — alerta o pesquisador da ONU.   

Outro risco iminente após o recuo da água e a secagem dos terrenos por completo que já começa a ser observado é o comprometimento das construções. Casas inteiras atingidas pela cheia começam a apresentar problemas estruturais no médio e longo prazo, algumas precisando ser totalmente demolidas. 

Na região do arquipélago banhado pelo Guaíba, o acúmulo de areia é um dos principais problemas ocasionados pela cheia. Ainda que grande parte das dunas tenha sido retirada, a região compreendida pelo delta deve ainda sofrer fortemente os impactos provocados pela erosão do solo, diz Iablonovski. 

Ações para mitigar 

Conforme a secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado, Marjorie Kauffmann, as ações públicas que atentem para a resolução do lixo decorrente da enchente estão entre as principais frentes de trabalho. Como medida inicial, a pasta mapeou 60 locais para a destinação do lixo acumulado, desafogando a sobrecarga depositada nas ruas e o espaço dos aterros sanitários.   

— O Rio Grande do Sul sempre foi destaque nacional nas destinações de resíduos sólidos. Mas, agora, é um novo momento. Estamos trabalhando para conseguir entender que tipo de resíduo é esse e como aproveitar — diz Marjorie 

Um segundo momento trata da reutilização desses materiais. Segundo a secretária, foram aprovados recursos para a moagem de resíduos inertes. A brita resultante, por exemplo, poderá ser utilizada pelos municípios na construção de estradas locais. Um protótipo para usos desse tipo será estudado no Vale do Taquari, epicentro dos últimos eventos climáticos. Na Região Metropolitana da Capital, também atingida, municípios vêm celebrando acordos com empresas para a destinação dos resíduos.   

— Para o resíduo da construção, pensamos tanto na construção de estradas quanto na reposição de áreas de mineração e recuperação de terrenos com estes fins. Em relação à madeira, trabalhamos com autorização e normativas para que ela fosse colocada em caldeiras e fornos de olaria. Já sobre a lama, vimos que o lodo pode ser utilizado como selador de camadas nos aterros sanitários. Já éramos muito reconhecidos no monitoramento dos antigos lixões, e agora entendemos que chegamos em um novo ponto de aproveitamento máximo desses materiais, inclusive a geração de energia — destaca a secretária. 

Outras soluções 

Doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade Politécnica da Catalunha e professor nas Engenharias e Arquitetura da UFRGS, Gino Gehling lembra que há várias empresas no mercado buscando associar suas imagens às medidas de preservação ambiental e às práticas ESG, aportando recursos em empreendimentos ou material educativo relacionados à questão do lixo. Algumas das alternativas, portanto, incluem as ações baseadas na compensação ambiental feita pelas empresas. 

Na avaliação de Gehling, o comprometimento nestes pontos pode fomentar a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias para a destinação de resíduos.   

— A maior lacuna não é a falta de pessoal ou de equipamento, e sim a educação. Nossas leis são muito adequadas, mas devemos cumpri-las e não o estamos fazendo. Talvez o poder público possa licenciar empreendimentos para beneficiarem resíduos da construção civil e transformar isso em agregados que tenham outra utilidade — sugere o professor.   

A questão da enchente também escancarou a urgência de se pensar em planos de contingência. Para a secretária do Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann, houve um amadurecimento do ponto de vista educacional nas esferas públicas, cobrando que os protocolos estejam cada vez mais atualizados e adequados ao novo contexto climático

— Testamos alternativas de destinação de resíduos na enchente do ano passado, mas depois veio numa dimensão ainda maior e entendemos que não seria inteligente apenas depositar em enterro. Então usamos de uma atualização da crise anterior para utilizar temporariamente outros locais de depósito. Agora, os novos planos já terão de prever isso. Infelizmente, estamos nos tornando especialistas do ponto de vista de Brasil. O Plano Nacional de Resíduos, por exemplo, não possui o reconhecimento de lixo de enchente, o que estamos discutindo para ser incluído. É uma virada educacional — diz Marjorie. 

O Plano Nacional de Resíduos, por exemplo, não possui o reconhecimento de lixo de enchente, o que estamos discutindo para ser incluído.

MARJORIE KAUFFMANN

Secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado

Fonte: Gaúcha ZH

Foto: Renan Mattos / Agencia RBS

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