Quatro meses após criação,chega ao fim o Ministério da Reconstrução do RS;relembre principais ações
Pasta foi criada em 15 de maio para aproximar governo federal do processo de recuperação do Estado após a enchente. Decreto modifica estrutura, e órgão passará ao status de secretaria, ligada à Casa Civil
Após 120 dias de atividades, esta quarta-feira (11) marca o último do período de funcionamento da Secretaria Extraordinária da Presidência da República para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, conhecida como ministério da Reconstrução.
A pasta, liderada até então pelo ministro gaúcho Paulo Pimenta, se transforma agora em Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul. A estrutura ficará no âmbito da Secretaria-Executiva da Casa Civil, e deverá ser extinta em 20 de dezembro deste ano.
O governo federal decidiu no início de maio criar uma estrutura específica para coordenar os trabalhos de recuperação do Estado após a enchente. Ainda antes do estabelecimento oficial, e de sua nomeação à liderança, o ministro Paulo Pimenta comentou a estrutura projetada para o órgão.
— A estrutura vai facilitar o contato dos prefeitos, dos secretários de cada área atingida com o governo federal. Num primeiro momento, vamos trabalhar no resgate das pessoas ilhadas e no restabelecimento, que envolve desobstrução de estradas, sinal de energia e internet, além do apoio emergencial e humanitário aos desalojados — afirmou.
A criação da secretaria ocorreu em 15 de maio, durante a terceira visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Rio Grande do Sul depois do início da enchente. Em São Leopoldo, Lula assinou a Medida Provisória nº 1.220/2024, que estabeleceu oficialmente o órgão e cuja validade se extingue nesta quarta.
O espaço físico ocupado pela secretaria na Capital foi uma estrutura da superintendência do Banco do Brasil, localizado na Rua Honório Silveira Dias, 1.830, bairro Higienópolis. É nesta sede que ocorre no final da manhã desta quarta o último ato oficial do órgão no seu formato original — uma entrevista coletiva em que será apresentado balanço das atividades realizadas, com a presença dos ministros Paulo Pimenta, Jader Filho e Rui Costa.
Como destacado pelo ministro Pimenta em 9 de julho, pouco mais de dois meses após o início da enchente, as atividades da primeira fase de atuação da secretaria, além de estruturar o repasse de auxílios financeiros à população e às empresas gaúchas afetadas pela tragédia climática, se concentraram principalmente em operações emergenciais de resgate.
— As medidas mais importantes da primeira fase foram as de apoio, resgate e salvamento. Foram cerca de 90 mil resgates em salvamento de pessoas, 15 mil em salvamento de animais, 40 mil homens entre civis e militares mobilizados. Essas ações foram decisivas para que o número de óbitos que chegaram a estimar da casa de milhares não tenham ocorrido — destacou.
Ao longo dos quatro meses desde sua criação, alguns pontos tiveram destaque na atuação do Ministério da Reconstrução no Estado. Abaixo, são detalhados os principais.
Principais ações
Promessas de entregas de moradias
Junto com o anúncio que oficializou a criação do Ministério da Reconstrução, em 15 de maio, o governo federal também fez a promessa de dar gratuitamente novas casas a todas as famílias que perderam suas moradias na enchente e que se enquadram nas faixas 1 e 2 do Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Após a tragédia climática, a demanda por residências se tornou uma das mais urgentes no Estado.
Por meio da compra assistida de imóveis já prontos cadastrados na Caixa Econômica Federal, o governo projetou adquirir propriedades e repassar à população. Atualmente, o prazo para que as entregas aconteçam é setembro, mas antes isto já foi projetado para ocorrer primeiramente ainda em junho e depois em julho.
As primeiras unidades habitacionais direcionadas às famílias afetadas pela enchente foram entregues pelo governo federal efetivamente apenas em meados de agosto — e eram apartamentos em um condomínio do MCMV que já tinha sua construção prevista. A demora no avanço do processo da compra assistida Pimenta credita principalmente às dificuldades que as prefeituras tiveram em concluir e enviar os cadastros das famílias atingidas, como apontado em 9 de julho.
— Estamos em uma fase final para que as prefeituras concluam a identificação das casas que foram atingidas e que estão condenadas, bem como das áreas que foram completamente arrasadas e que não podem continuar sendo utilizadas como moradia. Já temos mais de 4,7 mil imóveis cadastrados no site que abrimos para compra assistida — destacou na época.
Auxílio Reconstrução
Outra atividade que concentrou grandes esforços do Ministério da Reconstrução logo desde sua criação foi a articulação para a distribuição do Auxílio Reconstrução, principal medida de apoio financeiro direto à população estabelecida pelo governo federal. O benefício de R$ 5,1 mil às famílias atingidas pela enchente também foi anunciado no dia 15 de maio, junto com a oficialização do ministério.
O primeiro pagamento no âmbito do programa foi realizado em 30 de maio. Com o benefício, o governo federal espera atender 375 mil famílias gaúchas, o que representaria R$ 1,9 bilhão em pagamentos.
Nas semanas subsequentes à criação do programa, o governo federal verificou inconsistências no processo de cadastramento das famílias, o que atrasou alguns pagamentos. Em 15 de agosto, o ministro Pimenta afirmou que eram três as principais razões de dificuldade na análise dos pedidos para receber o Auxílio Reconstrução naquele momento: pedidos que estavam fora da mancha de inundação, problemas na identificação de endereços, com mais de uma pessoa em uma mesma localidade, e o excesso de solicitações unipessoais, muito acima da média nacional.
— Naturalmente, esses cadastros ficaram em análise para que as prefeituras pudessem corrigir as informações, mas não havendo essa correção, serão rejeitados — reforçou o ministro.
Com as dificuldades no processo de cadastramento, o prazo de inscrição de famílias por parte das prefeituras também foi prorrogado diversas vezes. No último dia 30, quando se esgotaria mais uma vez, o período foi ampliado até 15 de setembro.
BNDES Emergencial
A concessão de crédito em condições especiais às empresas atingidas pela enchente também foi uma área de atenção das atividades do Ministério da Reconstrução no Estado. Após a criação do Pronampe Solidário, ainda antes do estabelecimento da secretaria, o governo federal se empenhou em dar início às operações do BNDES Emergencial, programa que buscou atender as necessidades de empresas de todos os portes com três linhas de crédito: para capital de giro, para a compra de máquinas e para reconstruções estruturais.
— Vou me reunir com a Fiergs, todos os setores da indústria e de serviços. Teremos um pacote de medidas para atender esse setor que está além do Programa Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Pronampe). É um projeto grande, para empresas que faturam de R$ 360 mil a R$ 4,8 milhões e outro para as que faturam mais de R$ 4,8 milhões — disse o ministro Pimenta em 16 de maio, em entrevista à Rádio Gaúcha.
O BNDES Emergencial foi anunciado em 29 de maio, e tinha seu início projetado para 10 de junho. Após uma série de adiamentos, para readequação das regras, o programa teve os primeiros contratos assinados em 10 de julho.
Desde então, as empresas gaúchas contrataram R$ 6,8 bilhões em crédito para capital de giro, conseguiram aprovações de R$ 1,3 bilhão para a compra de máquinas e equipamentos e outros R$ 206 milhões para investimentos e reconstruções no âmbito do programa, que tem previsão de até R$ 15 bilhões em recursos disponíveis. Mesmo assim, entidades empresariais do Estado têm queixas quanto à execução prática:
— A projeção era de investir R$ 15 bilhões, e só foi contratado pouco mais da metade disso até agora. Há taxas de juros que eu considero altíssimas, as empresas que também tiveram seu faturamento impactado mesmo não sendo diretamente atingidas pela enchente deveriam ter sido incluídas na linha para capital de giro desde o início, os recursos via fundo garantidor são insuficientes, e com a falta de garantias muitas das empresas mais impactadas com a tragédia, e que mais necessitam dos recursos, não estão recebendo — afirma o vice-presidente de Integração da Federasul, Rafael Goelzer.
Reabertura do aeroporto Salgado Filho
A reabertura do Aeroporto Internacional Salgado Filho também mobilizou as atividades do Ministério da Reconstrução. Inundado no início de maio, o maior aeroporto do sul do Brasil ainda permanece fechado, trazendo grandes prejuízos logísticos e financeiros ao Estado.
Para amenizar este impacto, foi estabelecida uma malha aérea emergencial no Rio Grande do Sul, com o início da operação de voos comerciais na Base Aérea de Canoas, em 27 de maio. Em 10 de junho, ocorreu um dos momentos mais delicados neste processo de retomada do Salgado Filho, quando a CEO da Fraport no Brasil, Andreea Pal, levantou a possibilidade da empresa devolver a concessão.
A empresa alemã, até aquele mês, ainda trabalhava com a possibilidade de reabrir o Salgado Filho apenas em dezembro, rechaçada pelo ministro Pimenta em entrevista concedida à Rádio Gaúcha em 9 de julho:
— Não trabalho com nenhuma hipótese de reabrir só em dezembro.
Poucos dias depois, em 16 de julho, o governo federal e a Fraport anunciaram a nova data de reabertura do aeroporto da Capital: sua operação será retomada parcialmente em 21 de outubro, e sua capacidade completamente restabelecida em 16 de dezembro.
— Em determinado momento, existiu uma polêmica que já foi superada, ainda quando nos reunimos com o CEO global da empresa. A companhia seguradora já foi acionada, e nesse segundo momento, existe um conjunto de obras que fazem parte da concessão e que já estavam programadas para serem feitas. Após, a AGU vai encaminhar toda a documentação ao Tribunal de Contas, para que produzam o estudo necessário para complementação do Tesouro — ressaltou Pimenta durante visita ao Salgado Filho no dia 19 de agosto.
Relação com o governo do RS
A criação do Ministério da Reconstrução levantou questões sobre a harmonia da relação entre o governo federal e o Palácio Piratini. Logo na cerimônia de anúncio da secretaria, em 15 de maio, o governador Eduardo Leite comentou a polêmica que estava surgindo.
— Não haverá diferenças políticas para superar o momento de união que deve ser atender às pessoas que mais precisam. Vamos estar juntos em favor delas — declarou.
Em sua participação no programa Roda Viva, em 21 de maio, o governador voltou a ser questionado sobre esta relação.
— Todo o apoio é importante: o do voluntário, da doação, da iniciativa privada que se mobiliza, o do ministro nomeado pelo presidente para o Estado. Eu não vou fazer briga política, eu não vou fazer disputa política, porque a gente precisa superar esse momento de polarização e de brigas que o Estado, que o Brasil vive, especialmente em um momento de dor e de tanta gente dependendo da gente — respondeu Leite na ocasião.
Pouco depois, no dia 24, Pimenta esteve ao lado de Leite na cerimônia que oficializou a sanção do Plano Rio Grande — com medidas de reconstrução e retomada no Estado. Além de participar da solenidade, o ministro também discursou para o público presente.
— Cada um tem seu papel. Estou aqui para ajudar. Esse processo vai muito longe. Estamos no mesmo barco e só conseguiremos atravessar essa tempestade se remarmos para o mesmo lado — afirmou mais tarde naquele dia o ministro à colunista Rosane de Oliveira.
Esta relação começou a mudar em 5 de junho, quando Leite ficou sabendo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viria ao Estado no dia seguinte. Na capital federal, Leite teve canceladas de última hora reuniões que havia marcado nos ministérios da Fazenda e do Trabalho e não conseguiu falar a sós com Lula. No dia seguinte, voltou ao RS de carona no avião presidencial, mas, embora tenha permanecido ao lado de Lula durante as duas horas e meia de viagem, não foi informado de que uma de suas demandas — a criação de um auxílio para evitar demissões na iniciativa privada — seria anunciada durante a visita.
Ao longo de julho, as declarações públicas de ambos os lados desta relação trouxeram ataques mais diretos. No dia 15 daquele mês, Leite fez críticas públicas ao repasse de recursos por parte do governo federal ao Estado. No dia seguinte, apesar de dizer que não entraria em disputa com Leite, Pimenta encaminhou nota à colunista Rosane de Oliveira respondendo as críticas do governador, afirmando que “sua fala não é nem justa e nem representa a verdade sobre os fatos. O governo federal tem feito um grande esforço para responder às demandas do Rio Grande do Sul. E vamos continuar”.
Este atrito chegou ao ápice durante a cerimônia de entrega de moradias na Capital em 16 de agosto, desta vez com o governador gaúcho trocando farpas públicas diretamente com o presidente Lula. Na semana seguinte, uma trégua entre o governo do Estado e o governo federal foi selada em reunião em Brasília, no dia 21 daquele mês.
Desde então, a relação entre o governador e o ministro Pimenta, representante do Ministério da Reconstrução, se estabilizou, e no último sábado (9) os dois posaram para fotos juntos durante o desfile da Independência que homenageou o Rio Grande do Sul na capital federal.
“Os posicionamentos do governo do Estado em relação à atuação e ao diálogo com o ministério já foram externados em diversas oportunidades ao longo dos últimos meses. Seguiremos empenhados em manter a melhor interlocução possível com o governo federal para entregar resultados à população gaúcha. O governo do Estado tem o Plano Rio Grande, conjunto de medidas de curto, médio e longo prazo para a reconstrução, e trabalhará em conjunto com o governo federal e os municípios na governança dos projetos e iniciativas em construção”, diz o governo estadual em nota enviada à reportagem.
Futuro da secretaria
Em 16 de agosto, há menos de um mês, o presidente Lula deu um indicativo negativo quanto ao futuro do ministério. Em entrevista à Rádio Gaúcha, com o ministro Pimenta ao seu lado, o chefe do Executivo nacional indicou pela primeira vez que o governo poderia deixar o texto da MP que regula o ministério caducar, com Pimenta reassumindo sua posição na Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom).
— O Pimenta é o meu ministro da Secom e foi emprestado neste momento delicado do Rio Grande do Sul. Ele vai ficar o prazo (de vigência da MP), acho que está na hora de pensarmos no futuro do Pimenta, se ele vai ficar ou voltar. Se vencer a MP e não for votada, paciência. Não vou brigar — disse Lula.
Na quinta-feira (12), entra em vigor o decreto presidencial nº 12.169, que oficializa a transformação do Ministério da Reconstrução na Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, ligada à Secretaria-Executiva da Casa Civil. A nova estrutura, que poderá ter à frente o atual número 2 do ministério, Maneco Hassen, está prevista para ser definitivamente extinta em 20 de dezembro.
— Conceitualmente a criação do ministério foi uma iniciativa importante, que buscava aproximar o governo federal do Estado e tentaria auxiliar e agilizar a execução das demandas necessárias para a população gaúcha nesse período de crise. O ministro Pimenta em si foi muito dedicado a essa tarefa, participava das reuniões, ouvia, se empenhava, mas o resultado do ministério, infelizmente, acho que foi bastante tímido, pois muitas das nossas demandas, como as relacionadas às linhas de crédito às empresas, iam para Brasília e voltavam iguais ou pioradas — avalia o vice-presidente de Integração da Federasul, Rafael Goelzer.
— Foi importante ter essa interlocução com o ministro aqui no Estado. O ministro Pimenta sempre teve boa vontade e nos atendeu bem. O grande problema é que as coisas não aconteceram como a gente imaginava. Muitos dos pedidos que a gente fez acabaram não sendo atendidos — complementa Clovis Tramontina, vice-presidente da Fiergs.
Antes da extinção do Ministério da Reconstrução e seu provável retorno à Secretaria de Comunicação da Presidência, o ministro Paulo Pimenta fará, no final da manhã desta quarta-feira, um balanço das ações do ministério. Ao seu lado estarão o ministro das Cidades, Jader Filho, e o titular da Casa Civil, Rui Costa, para anunciar as mudanças.
Como legado do ministério extinto, deverá ser apresentada a criação de um "sistema de governança" para gerenciar as obras estruturais planejadas para conter as cheias futuras no RS, que serão bancadas por um fundo criado pela União. O arranjo é fruto de entendimento com o governador Eduardo Leite, que vai liderar esse sistema ao lado de Pimenta e de Rui Costa. Na prática, apesar da extinção do ministério, Pimenta poderá manter o status de principal interlocutor para assuntos da reconstrução no governo federal, fazendo viagens frequentes ao Estado e mantendo contato permanente com o governo estadual.
— Eu imagino que um ministério teria muito mais poder de influência no governo do que uma secretaria. Nós tivemos um ministério dedicado a isso, e agora, com uma secretaria, qual é a expectativa? A gente espera que melhore, mas a tendência não é essa — pondera Rafael Goelzer.
Linha do tempo do Ministério da Reconstrução
- 15/05: criação do Ministério da Reconstrução
- 29/05: anúncio do BNDES Emergencial
- 30/05: primeiro pagamento do Auxílio Reconstrução
- 10/07: assinatura dos primeiros contratos do BNDES Emergencial
- 16/07: anúncio da data de reabertura do aeroporto Salgado Filho
- 16/08: entrega das primeiras moradias a famílias que perderam casas na enchente
- 24/08: reunião em Brasília que reaproximou os governos federal e estadual
- 11/09: balanço das atividades do ministério e anúncio das mudanças futuras
- 12/09: extinção oficial do Ministério da Reconstrução
Fonte: Gaúcha ZH
Foto: Joel Vargas / Gabinete do Vice-governador/Divulgação
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