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Doença de Alzheimer: o que o cuidador do paciente deve saber

  • Data: 25/Set/2024

Fase inicial da enfermidade é de aprendizado para quem convive com o doente. Uma conversa em família deve discutir as mudanças necessárias no cotidiano. Enquanto o paciente tiver condições, ele tem o direito de se manifestar sobre o que deseja ou não fazer

Não esquecer de tomar conta de si mesmo é um dos principais conselhos que especialistas dão a cuidadores de pacientes com Alzheimer. Demandante, a enfermidade neurodegenerativa requer um acompanhante atento, que precisa de intervalos regulares para descanso e atenção à saúde para evitar a sobrecarga e o adoecimento. Setembro é o mês de conscientização sobre a doença de Alzheimer.

A empresária e corretora de imóveis Carla Pedroso, 51 anos, faz psicoterapia para lidar com a ansiedade provocada pelo caso de Alzheimer precoce com o qual convive dentro de casa: o marido, o engenheiro Daniel da Rosa München, 54 anos, recebeu o diagnóstico no final do ano passado. Depois de um périplo por consultórios de diferentes especialidades médicas, ela recebeu com alívio a confirmação do que se tratava — anos de comportamento estranho do companheiro ganhavam, enfim, uma explicação. Enquanto não entendia o que acontecia, ela quase se separou.

— Era um inferno a minha vida — lembra Carla.

Aposentado, Daniel ainda consegue conduzir algumas atividades na rotina do lar, mesmo que demandem ser revisadas pela esposa depois. Para Carla, o mais importante é observar tudo o que ele faz. Foi esse exame atento que permitiu que ela percebesse desde as mínimas alterações e procurasse ajuda. Um dos primeiros sinais percebidos foi o prejuízo à capacidade de dirigir.

— Tenho que ficar atenta 100% do tempo: com contas, dinheiro, localização. Se eu não tivesse essa atenção, talvez a gente nem descobrisse a doença. Acho crucial o meu acompanhamento com ele — diz Carla.

O início do Alzheimer é de aprendizado para os familiares e os demais que convivem de perto com o paciente. Uma conversa entre todos deve discutir as mudanças necessárias no cotidiano. Enquanto o doente tiver condições, ele tem o direito de se manifestar sobre o que deseja ou não fazer.

Uma nova forma de se relacionar com essa pessoa será necessária. Ela já não é a mesma pessoa de antes, mas, ao mesmo tempo, é. Temos que ressignificar isso

SUZETE TEIXEIRA CASSALHA

Psicóloga

A psicóloga Suzete Teixeira Cassalha coordena, em Porto Alegre, o Grupo de Apoio Emocional da Associação Brasileira de Alzheimer – Regional RS (Abraz-RS), onde está habituada a acolher os mais diversos relatos. Ela ensina que o manejo adequado do paciente requer conhecimento, e um dos locais mais indicados para se buscar informação é em grupos esse. O cuidador, especialmente o que está começando sua jornada, precisa aprender estratégias para lidar com o doente. Imagine a situação muito comum em que o paciente insiste que alguém que já morreu ainda está vivo. Contrariá-lo gerará um conflito desnecessário, uma vez que ele tende a esquecer essa informação em seguida. Em vez disso, Suzete sugere que o cuidador entre na realidade do paciente para evitar confronto e desgaste.

— Dizer que aquela pessoa já morreu vai causar um sofrimento duplo, triplo, por quantas vezes você repetir isso — constata Suzete. — O que a gente quer para o paciente? Serenidade, paz, conforto, bem-estar. Se, para isso, precisarmos entrar na realidade dele, que seja assim.

É fundamental ter paciência para lidar com alterações de comportamento, acrescenta a neurologista e psiquiatra Silvia Stahl Merlin, vice-diretora do Departamento de Psicogeriatria da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e médica assistente do Hospital das Clínicas de São Paulo. Irritabilidade, não reconhecimento da casa e das pessoas e esquecimentos fazem parte do quadro.

— A família pode entender isso como birra, que o doente faz de propósito, faz para irritar, mas não. É um comportamento esperado. Não adianta confrontar, é uma doença, a pessoa não está fazendo de propósito. O desfecho depende de como o cuidador se porta — afirma Silvia. — Chame atenção para outra coisa. “Quer ir embora? Então vamos.” Põe no carro, dá uma volta na quadra e retorna. “Preciso ver minha mãe”, sendo que a mãe já faleceu. "Tá bom, a gente vai daqui a pouco.” A melhor opção é negociar ou usar estratégias como as que usamos com criança pequena: “Na volta a gente compra” — sugere a médica.

O cuidador também deve estar preparado para experimentar uma variedade de sensações: dúvida, culpa, raiva, impotência, tristeza, medo. Esses sentimentos podem surgir em diversos momentos do decorrer da enfermidade, que pode se estender por anos.

— A culpa aparece no início, quando a família acha que o diagnóstico foi tardio, que poderia ter feito diferente. A raiva vem muito pela sobrecarga, daí a divisão das tarefas ajuda bastante. E normalmente o medo vem numa situação em que a família julga o cuidador ou em quando estão envolvidos bens, dinheiro — exemplifica Silvia.

Participar de um grupo de apoio dá ao cuidador, além do embasamento técnico correto, o espaço ideal para desabafar e se identificar com pessoas em situações semelhantes.

— São sentimentos válidos. Não é feio, não é vergonha, não é crime. Quando se pode falar disso em um lugar de iguais, alivia muito. A pessoa sai melhor, mais leve, com força para continuar, amparada — observa Suzete.

Cuidadores que enfrentarem dificuldades para lidar com a nova realidade imposta pela doença de Alzheimer e com suas próprias emoções devem procurar apoio psicológico especializado.

— Uma nova forma de se relacionar com essa pessoa será necessária. Ela já não é a mesma pessoa de antes, mas, ao mesmo tempo, é. Temos que ressignificar isso — aconselha Suzete.

Orientações para o cuidador

  • Tenha um dia ou pelo menos um turno por semana para tratar de seus afazeres e interesses pessoais. Peça ajuda a um familiar com disponibilidade para substituí-lo ou, caso seja possível, contrate um cuidador. Esse tempo livre pode ser preenchido com caminhada, corte de cabelo, ida ao shopping, encontro com amigos, sessão de cinema. Faça o que tiver vontade e se permita relaxar
  • Pratique exercícios com regularidade
  • Monitore o paciente em suas atividades diárias. Enquanto ele conseguir, deixe-o fazer o que é preciso. Jamais permita que ele corra riscos
  • É preciso ter paciência para lidar com repetições e esquecimentos. Evite criar conflitos com o paciente, por mais absurdas que sejam suas alegações
  • Tenha sempre em mente que o doente vai passar por alterações de comportamento. Não tome eventuais ofensas como pessoais.
  • Informe-se sobre grupos de apoio para cuidadores
  • Quando começar a considerar a transferência do paciente para uma instituição de longa permanência para idosos (ILPI), visite alguns locais e analise as instalações
  • Faça o melhor que puder fazer pelo bem-estar do paciente dentro da sua realidade financeira. Você poderá não ter recursos para contratar todos os profissionais que gostaria
  • Recorra a fotos antigas para acessar a memória ainda preservada do paciente. Peça que ele fale sobre as pessoas retratadas nas imagens. Esse tipo de atividade fortalece os laços entre paciente e cuidador

Fonte: Gaúcha ZH

Foto: Duda Fortes / Agencia RBS

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