Psicóloga da Serra opina sobre projeto que prevê proibir celulares em escolas
Texto em tramitação indica liberação apenas para ações pedagógicas. Em escola de Caxias, alunos deixam equipamento em uma caixa e só têm acesso no recreio
Considerado por muitos quase como uma extensão do próprio corpo, o celular está na mira de um projeto de lei que pretende proibi-lo nas escolas de todo país. A proposta, que prevê ainda a vedação de outros aparelhos eletrônicos portáteis no mesmo ambiente, foi aprovada na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados no fim de outubro e ainda precisa passar por votação para se tornar lei.
Em Caxias do Sul, escolas já colocam em prática iniciativas para reduzir o uso dos equipamentos e recuperar o foco e a interação entre os alunos. É o caso do Colégio Murialdo. Em setembro, as salas de aula ganharam uma caixa com divisórias e chave, onde os estudantes colocam os aparelhos no início da aula e têm permissão para pegá-lo somente durante o recreio.
A coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental II, Poliana Carla Molon, explica que ideia de limitar o acesso surgiu a partir de comportamentos dos próprios alunos:
— Nós víamos adolescentes em sala de aula sozinhos, isolados, com seus fones, deixando de conversar, deixando de interagir com seus pares, até mesmo com a figura do professor. E aí os professores logo alertaram a direção da escola sobre a necessidade de proibir o celular — conta.
A coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental II do Murialdo, Poliana Carla Molon, mostra caixa onde os alunos deixam os equipamentos. Divisórias são numeradas para não haver troca de aparelhos.Neimar De Cesero / Agencia RBS
Antes de inserir a caixa nas salas de aula, os alunos e os pais assistiram a palestras com profissionais da psicologia sobre os prejuízos do equipamento para a atenção, a interação social e a aprendizagem.
— Mostramos que hoje o celular é um bloqueador de relações — ressalta a coordenadora pedagógica.
A caixa foi colocada em todos as salas de aula a partir do quinto ano do Ensino Fundamental. Segundo Poliana, uma das mudanças imediatas foi o aumento de diálogo entre os estudantes, além do redirecionamento do foco. Para Ana Luiza Agnolin Pereira, 14 anos, aluna do oitavo ano, os benefícios ultrapassaram as paredes da escola:
— Eu também diminuí o uso do celular em casa. Usava em média de 10 horas por dia. Agora, está em quatro, cinco horas — detalha a adolescente, que teve melhora nas notas em português, geografia, história e matemática desde a restrição imposta pelo colégio.
"Eu não crio memórias estando no celular"
Embora a proibição nas escolas gere divergências principalmente nas redes sociais, é consenso entre profissionais da saúde que o uso do celular, bem como o conteúdo acessado por meio dele, precisa ser limitado para crianças e adolescentes.
A psicóloga Daiane Gava, especialista em terapia cognitivo-comportamental da infância e da adolescência, afirma que o aparelho age como uma espécie de "dopamina barata" (neurotransmissor ligado ao prazer e à motivação) e que cabe aos adultos regular a utilização dele, independentemente do ambiente.
— Acabamos tendo uma sensação de bem-estar, de prazer com pouquíssimo esforço. Eu não crio memórias estando no celular, não vou ter experiências reais. Eu não desenvolvo as questões de passar pelo esforço, passar pelo processo. Não treino o meu cérebro para isso. Então, não treinando o meu cérebro, dificilmente eu vou conseguir ser bem-sucedido lá na vida adulta. Não basta passar o dedo na superfície do mundo para que a gente altere a realidade — defende a profissional.
Pesquisadora e especialista em uso de telas, Sofia Sebben opina que a proibição por si só não é uma saída viável em uma geração tão tecnológica como a atual. Doutoranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a psicóloga de Farroupilha defende que outras questões precisam ser trabalhadas, tais como a saúde mental dos estudantes e o fortalecimento das relações familiares.
— Essa geração nasceu no contexto digital. Eles não conhecem a vida sem a tecnologia. Simplesmente tirar essa parte da vida deles, sem trabalhar algumas outras questões, eu acho que é tapar o sol com a peneira. É muito importante também trabalharmos a saúde mental dos adolescentes, porque vemos que, muitas vezes, eles se utilizam das tecnologias justamente para lidar com situações difíceis que eles estão vivenciando ou até para fugir delas — opina Sofia.
Premiada nos Estados Unidos com o projeto de pesquisa "Função reflexiva dos pais, desenvolvimento socioemocional da criança e uso de telas na primeira infância", a profissional entende que uma relação mais saudável com as telas perpassa, também, por uma conexão maior dentro das famílias. Sofia menciona o contato com a natureza, os exercícios físicos e até mesmo o tédio como alternativa ao uso do celular.
— Para além do debate de tirar ou não tirar a tela, é preciso pensar na questão do bem-estar e da saúde. O que eu tenho feito para que eu tenha bem-estar e saúde mental? E o que eu tenho oportunizado pro meu filho? — reflete a psicóloga.
Entenda o projeto que tramita na Câmara dos Deputados
- A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou no dia 30 de outubro o projeto de lei que proíbe o uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos em escolas, tanto durante as aulas quanto nos intervalos e recreio.
- A medida se aplica a todas as etapas da Educação Básica e busca minimizar os impactos negativos do uso prolongado de telas.
- De acordo com o texto aprovado, os aparelhos eletrônicos poderão ser utilizados em sala de aula apenas para fins pedagógicos ou didáticos, mediante orientação do professor, além de situações de acessibilidade, inclusão e saúde.
- A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
- Caso aprovado pela CCJ, o projeto será encaminhado ao plenário para votação. Depois, terá de passar pela avaliação do Senado Federal.
Fonte: Pioneiro / Gaúcha ZH
Foto: Neimar De Cesero / Agencia RBS
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