Cinco anos após o primeiro caso em Caxias do Sul, pandemia de covid-19 deixa legado
Há meia década a vida como a conhecíamos deixou de existir, mas novas possibilidades surgiram e ainda surgem desde então
Foi no dia 11 de março de 2020 que Caxias do Sul teve confirmado o primeiro diagnóstico positivo de covid-19, exatos dois meses após a primeira morte provocada pelo vírus em Wuhan, cidade chinesa onde foi detectado o início da pandemia. Ainda que a Organização Mundial de Saúde (OMS) tenha declarado o fim da emergência sanitária em maio de 2023, os efeitos do trauma coletivo provocado pela pandemia permanecem tão vivos quanto a necessidade da sociedade se manter alerta para lidar, futuramente, com novas pandemias.
- Ser assombrado por algo tão real como a epidemia de uma doença global deixou muitas pessoas alertas, desenvolvendo maneiras de se relacionar que nos impactam ainda hoje e que são, muitas vezes, justificativa para um comportamento paranoico. Quando associamos a pandemia com a crise econômica que se desenvolveu a partir dela, muitas pessoas passaram a ter um comportamento de isolamento e de acúmulo, seja pelo medo da morte ou da escassez. Passamos a verificar uma situação paradoxal: de um lado, pessoas que passaram a querer aproveitar cada oportunidade de sentir prazer imediato, por não saber se o amanhã vai existir para elas, e por outro lado pessoas querendo congelar o tempo, buscando se exilar diante do medo da privação e da escassez - analisa a psicanalista caxiense Camila Scheifler Lang.
Camila destaca ainda que um reflexo nítido da vida pós-pandemia é uma busca maior e mais imediata por sensações de prazer e de liberdade, tanto no lado pessoal quanto no aspecto profissional:
- Quando a gente vê que já existem até aplicativos que simulam personagens para que as pessoas possam se relacionar, inclusive sexualmente, me parece que existe uma espécie de autoproteção. Pois sempre houve momentos históricos em que a sociedade, após passar por muita frustração, imediatamente após entrou em tratativas de libertação, de promover situações para que as pessoas tenham maior êxito no prazer. Isso se verifica também no mercado de trabalho pós-pandemia, com muito mais pessoas não querendo assumir compromissos com vagas de emprego, preferindo ter autonomia para dirigirem suas próprias vidas.
Vivido como um trauma coletivo, período de isolamento social deixou sequelas emocionais como busca maior por prazer imediato ou reclusão diante do medo da escassezMarco Favero / Agencia RBS
Durante o período de isolamento social e da retomada gradativa do convívio, muito se utilizou o termo "novo normal" para se referir a situações impostas pela pandemia e que passaram a fazer parte da rotina. Uma destas situações foi o crescimento de reuniões e atendimentos realizados em ambientes virtuais. A dificuldade de adequar o seu trabalho presencial ao público que atendia no consultório fez com que a psicóloga caxiense Jennifer Domingos redirecionar sua atuação, descobrindo assim um novo propósito dentro da profissão:
- No início da pandemia eu atendia crianças com Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH) que eram hiperativas ou súper desatentas, e era muito difícil trabalhar remotamente com elas. Eu não estava conseguindo atendê-las com a qualidade necessária e aquilo gerou uma grande frustração, que me fez querer transicionar. Naquele período eu estava lidando com o meu próprio diagnóstico de TDAH e vi que muitas pessoas adultas também estavam sofrendo com esse transtorno, que é levado menos a sério do que deveria, infelizmente. Passei a focar no atendimento a este público, virtualmente no primeiro momento, tendo a minha própria experiência como embasamento. E foi a melhor coisa que eu fiz, porque meu trabalho ficou muito mais conhecido e acabou sendo uma mudança positiva, apesar de toda aquela situação muito dolorida. Inclusive porque meu pai morreu de covid - comenta.
Jennifer considera que a pandemia irá deixar marcas perenes na sociedade, para além de danos neurológicos e psicológicos que já são enfrentados pela geração que a vivenciou:
- Muitas pessoas que eu atendi desenvolveram Transtorno de Ansiedade Generalizada, principalmente pelo medo de sair de casa. Mesmo depois que a pandemia passou, elas ainda não se sentiam seguras. Mas o que agravou mais foram casos em que os pacientes já tinham alguma vulnerabilidade, aumentando ou agravando o hipocondrismo, por exemplo, que é o medo constante de estar doente. Também há muitos casos de mulheres que estavam grávidas e tiveram seus filhos na pandemia, que sofreram muito naquele ambiente de muitas incertezas sobre o que era seguro e o que não era, sobre estar num hospital com um bebê. São casos em que o período de cinco anos ainda é um período curto para saber a extensão dos danos psicológicos deixados pela pandemia.
As boas companhias virtuais geraram oportunidade
Cantora Tatiéli Bueno recebeu mais de 100 convidados em projeto de entrevistas que nasceu logo no primeiro mês de pandemia. Iniciativa foi retomada com nova temporada que se inicia nesta terça-feiraReprodução / Divulgação
Uma das classes mais prejudicadas com a pandemia, por ter sido a primeira a parar e uma das últimas a retomar plenamente suas atividades, foi a artística. Sem poder marcar shows, devido ao fechamento de bares, teatros e outros espaços, foi preciso ter muita criatividade para manter as contas em dia, mas também para manter a mente sã e tentar tirar algo de bom daqueles dias de confinamento.
A cantora caxiense Tatiéli Bueno, por exemplo, descobriu que poderia utilizar o seu gosto por uma boa conversa para explorar uma veia de apresentadora, dando início, ainda em março de 2020, ao projeto Tatiéli Convida. Em três anos, foram mais de 100 bate-papos transmitidos ao vivo pelo Instagram e depois postados também no YouTube.
- Acho que funcionou porque as pessoas estavam em casa sedentas por alguma interação, mas também fez muito bem pra mim, porque mantive a mente ativa e com o tempo fui conhecendo muita gente através das entrevistas, criando novos vínculos. Algumas das entrevistadas só estou conhecendo pessoalmente agora. Partiu de uma oportunidade de dar vez e voz para essas pessoas que trabalham junto comigo, mas que acabam não aparecendo, que estão nos bastidores, e assim mostrar o quão grande é a rede de profissionais que trabalha junto com o artista que está no palco - comenta Tatiéli.
A ideia deu tão certo que Tatiéli irá retomar a iniciativa, com uma série de entrevistas marcadas para este mês, todas elas com mulheres, a partir desta terça-feira. A intenção, para o futuro, é garantir a continuidade da iniciativa surgida na pandemia, formalizando um projeto para concorrer em editais de fomento à cultura.
Aprendizado para a sociedade e para a ciência
Médica infectologista Dra. Viviane Buffon: "estamos mais preparados para enfrentar novas pandemias ou catástrofes'Bruno Todeschini / Agencia RBS
Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, Caxias do Sul soma 178,7 mil casos de covid-19, sendo que 35 em cada 100 caxienses contraíram o vírus. Foram 1.787 óbitos confirmados pela doença no município. A médica do setor de Infectologia do Hospital Geral de Caxias do Sul Viviane Buffon considera que a pandemia tem, como legado, um papel educativo importante quanto a prevenção de doenças infecciosas.
- Tanto a influenza A quanto o covid foram importantes para o reconhecimento da gravidade dos danos que alguns vírus podem gerar quando atingem diferentes grupos populacionais, principalmente quando falamos dos chamados grupos prioritários, como pacientes com doenças crônicas, como diabetes, câncer, hipertensão ou pacientes com algum grau de obesidade e idosos ou muito jovens. Com tudo isso a população foi reeducada quanto a cuidados que devemos ter sempre, como evitar sair de casa quando houver sintomas de gripe ou resfriado, evitar aglomerações e fazer o uso de máscara - pontua Viviane, que é membro da diretoria da Sociedade Gaúcha de Infectologia.
A especialista observa que existe, no entanto, um retrocesso na conscientização da população brasileira quanto à importância da vacinação, não apenas para a Covid-19, o que deve acender um sinal de alerta:
Dr. Gilmar Padilha Flores foi a primeira pessoa a receber a vacina contra a covid-19 em Caxias do Sul, no dia 19 de janeiro de 2021. Imunização em grande escala permitiu o controle do vírusMarcelo Casagrande / Agencia RBS
- A vacina existe especialmente para evitar mortes e necessidade de internação hospitalar e é um reforço imunológico muito importante para combater o microrganismo. Infelizmente, nota-se, não apenas no Brasil, um recuo da vacinação que está fazendo com que novas infecções estejam ressurgindo, como o sarampo, por exemplo.
Viviane Buffon salienta que pandemias como a de covid-19 deixam um legado também de aprendizado para que a sociedade possa enfrentar melhor uma situação semelhante no futuro:
- Acredito que todo o setor administrativo e de assistência à saúde está muito mais preparado para enfrentar uma nova circunstância de risco não apenas de infecções virais, mas também de situações como catástrofes naturais. As pandemias que nós passamos serviram de embasamento e de estruturação para o enfrentamento destas situações.
Fonte: Pioneiro
Foto: Isa Dutra / Divulgação
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