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Jet lag social em jovens: sono desregulado afeta mais meninas e alunos de escolas particulares

  • Data: 09/Mai/2025

Dados de estudo da UFRGS são considerados preocupantes por especialistas; condição pode prejudicar o desempenho escolar e a saúde

Acordar cedo todos os dias para ir à escola. À noite, com a mente agitada, ter dificuldade para pegar no sono. Nos finais de semana, por conta do cansaço acumulado, trocar o dia pela noite, dormindo durante boa parte do dia e passando as noites em claro. 

Essa rotina, comum entre adolescentes, pode parecer normal para a faixa etária. Mas especialistas alertam que a desregulação do sono, conhecida como jet lag social, pode trazer graves consequências.

Uma pesquisa recente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) aponta que 83,6% dos adolescentes brasileiros entrevistados enfrentam esse problema. Os resultados foram publicados no periódico Sleep Health

Que adolescentes estão mais propensos? 

Liderado pela doutoranda Nina Nayara Ferreira Martins, do Programa de Pós-graduação em Cardiologia e Ciências Cardiovasculares da UFRGS, o estudo indica que adolescentes mais velhos, do sexo feminino e estudantes de escolas particulares são os mais propensos a apresentar jet lag social.

Em jovens de 16 e 17 anos, o índice de prevalência chega a 88,4%. O levantamento também mostra que 86,1% das meninas sofrem com essa condição (entre os meninos, são 81,6%). De acordo com Nina, isso pode ter relação com a maior propensão das garotas aos efeitos do desequilíbrio do funcionamento do corpo quando expostas ao jet lag social por conta das mudanças hormonais e fisiológicas nessa fase da vida.

A situação de alunos de escolas particulares 

Outro dado que chama a atenção é que 94,4% dos alunos de escolas particulares que responderam à pesquisa enfrentam jet lag social (em escolas públicas, são 81,5%). Segundo a pesquisadora, são resultados "inéditos e relevantes", uma vez que antes só havia estudos menores sobre o tema.

— O fato de o jet lag social ser mais prevalente em adolescentes que estudam em escolas particulares indica que fatores socioeconômicos também influenciam. Principalmente para os níveis socioeconômicos médio e alto — ressalta Nina.

O levantamento abrange dados de 64 mil jovens de 12 a 17 anos de todas as regiões do país. Conforme pesquisadores ouvidos pela reportagem, os dados são preocupantes, uma vez que o problema pode trazer efeitos diretos ao desempenho escolar e à saúde física e mental desses adolescentes. 

Jovem relata dificuldade para dormir

É o caso da estudante Sofia Petersen, 18 anos, de Canoas, na Região Metropolitana. Até o ano passado, quando concluiu o último ano do Ensino Médio, ela tinha uma rotina intensa: chegava à escola para a aula às 8h e depois ia direto para o curso pré-vestibular, onde ficava até as 18h. Ia dormir pelas 22h, após ir à academia e jantar. Mas o sono não vinha tão fácil.

— Eu me deitava cedo, mas já sabia que ia levar pelo menos duas horas para dormir. Eu apagava mesmo por volta da meia-noite, e no outro dia tinha que acordar às 7h para me arrumar e ir para o colégio. Acordava em cima da hora e acabava chegando atrasada. Me sentia bem cansada — conta.

A jovem relata que sempre teve dificuldade para pegar no sono, o que tornava ainda mais difícil acordar cedo para ir à escola. Assim, nos finais de semana, muitas vezes acabava dormindo até o início da tarde. 

Neste ano, ingressou na graduação em Fisioterapia no turno vespertino e conta que tem tido mais tempo para descansar pela manhã durante a semana, com uma rotina mais equilibrada

Como regular o sono em adolescentes

Veja orientações de especialistas ouvidos para esta reportagem:

Durma por tempo suficiente

No caso dos adolescentes, o ideal é descansar de sete a 10 horas por noite.

Adote uma rotina de higiene do sono 

Diminua a luminosidade em casa e reduza o contato com telas três horas antes de dormir para que o corpo vá se desligando e o sono seja mais tranquilo.

Regule o ritmo circadiano 

É importante entender o relógio biológico e buscar uma rotina equilibrada, dormindo e acordando nos mesmos horários diariamente.

Mantenha uma alimentação equilibrada

Adote refeições naturais e diversificadas, consumindo alimentos capazes de fornecer os nutrientes essenciais para o funcionamento saudável do organismo.

Pratique atividades físicas

Incluir na rotina a prática regular de exercícios pode contribuir para a qualidade do sono.

Efeito rebote nos finais de semana

Conforme o psiquiatra especialista em medicina do sono Daniel Suzuki Borges, que atua no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), o jet lag social não é um problema para dormir, mas um desequilíbrio na rotina de sono.

— A pessoa acaba dormindo menos do que precisa. Aí, quando chega o final de semana, ocorre um efeito rebote, em que o indivíduo tem um ritmo de sono diferente do que teria em dias comuns. Ele acaba dormindo mais nesses momentos por conta da privação de sono durante a semana. É um desalinhamento do ritmo biológico por conta das obrigações sociais — explica. 

Esse "débito" de sono durante a semana que acaba sendo cobrado pelo corpo aos finais de semana tem relação com o ritmo circadiano, segundo o médico. Trata-se do relógio biológico que regula as funções do organismo ao longo do dia. Por isso, algumas pessoas são mais matutinas (mais ativas pela manhã) e outras mais vespertinas (mais ativas durante a tarde), sendo que algumas conseguem transitar bem entre os dois turnos. 

O fato de o jet lag social ser mais prevalente em adolescentes que estudam em escolas particulares indica que fatores socioeconômicos também influenciam

NINA NAYARA FERREIRA MARTINS

Doutoranda na UFRGS e líder de estudo sobre jet lag em jovens

Piora no desempenho escolar

O médico destaca que, a longo prazo, o jet lag social pode causar fadiga e, com isso, piorar o rendimento em atividades do dia a dia, como na escola e no trabalho. Para os jovens, com a intensa rotina de estudos e diversas atividades paralelas para conciliar, pode ser difícil regular os horários.

— Sempre que a rotina permitir essa flexibilidade, a pessoa deve buscar otimizar o tempo para dormir, entendendo seu ritmo circadiano e adequando seu estilo de vida. Nos adolescentes é ainda mais comum ter esse problema porque eles já têm um ritmo mais noturno naturalmente, ou seja, são mais ativos de noite — alerta Borges.

Aulas começam cedo demais?

De acordo com Nina, que liderou a pesquisa da UFRGS, uma das possíveis alternativas para melhorar a rotina de sono de adolescentes no Brasil é prorrogar o horário de início das aulas, modificando a cultura nas redes escolares. Em diversos locais, as aulas se iniciam antes das 8h, exigindo uma rotina de sono regrada. 

— Precisamos de uma solução não apenas individual, mas que envolva o contexto familiar, assim como políticas públicas nesse sentido. Um atraso de meia hora no início das aulas já poderia contribuir para a redução do jet lag social, diminuindo essa prevalência entre jovens. São mudanças pequenas que poderiam fazer a diferença — argumenta a pesquisadora. 

O perigo do uso excessivo de telas

Mateus Bruxel / Agencia RBS

A estudante Sofia conta que o uso de celular atrapalha o sono.Mateus Bruxel / Agencia RBS

Outro fator de risco importante encontrado no estudo é o uso excessivo de telas, principalmente por conta dos efeitos da luz azul na regulação do ciclo do sono. Para muitos adolescentes, usar o celular antes de dormir faz parte da rotina.

É o caso de Sofia. A estudante conta que percebeu que o aparelho — especialmente o uso de redes sociais — estava atrapalhando na hora de dormir. 

— Eu ficava vendo vídeos de rotina e acabava me comparando por não me achar tão produtiva. Aí, comecei a colocar vídeos de humor no YouTube e, quando vejo, estou dormindo. Mas as redes sociais atrapalham muito. Ainda uso muito o TikTok. Quando vejo, passou uma hora, uma hora e meia, e nem estou com sono ainda — conta.

As pessoas precisam valorizar o tempo disponível para dormir e fazer o possível para não negligenciar o sono

DANIEL SUZUKI BORGES

Psiquiatra especialista em medicina do sono do Hospital das Clínicas da USP

Valorizando o tempo de dormir

Para a pesquisadora Nina, restringir o uso de telas perto do horário de dormir pode contribuir para garantir melhor qualidade de sono na adolescência. Seu estudo indica que aqueles que usam as telas diariamente por mais de duas horas têm maior risco de desenvolver jet lag social. Um dos fatores por trás disso é a dispersão trazida pela tecnologia, como pelos games. Borges concorda:

— Muitas pessoas têm a oportunidade de dormir mais e acabam dormindo tarde por distração, pelo excesso de consumo de telas, redes sociais e outros tipos de conteúdo. Isso acaba gerando privação do sono, porque a pessoa vai dormir muito tarde e acorda cedo. As pessoas precisam valorizar o tempo disponível para dormir e fazer o possível para não negligenciar o sono.

Outros riscos à saúde

O levantamento sobre jet lag social da UFRGS é um dos braços do Estudo dos Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica) e utilizou a base de dados da pesquisa, iniciada em 2009, com mais de 70 mil participantes em todo o país. De acordo com a coordenadora do trabalho na região Sul, Beatriz D. Schaan, a quantidade de sono inadequada é considerada fator de risco pra doenças cardiovasculares.

— Esse alerta vale especialmente para a questão do jet lag, porque o sono é insuficiente durante a semana e excessivo nos finais de semana. O sono também pode influenciar na frequência da atividade física e no sobrepeso — afirma Beatriz, que é professora titular da Faculdade de Medicina da UFRGS. 

Nina destaca que o ciclo de sono desregulado pode trazer consequências negativas à regulação hormonal, resultando em resistência à insulina, aumento glicêmico e, com isso, favorecimento de doenças como diabetes tipo 2. As alterações no sono também podem aumentar os níveis de cortisol no sangue, ampliando o risco de quadros inflamatórios

A questão da saúde mental

Segundo Borges, a saúde mental também pode sofrer consequências com a má qualidade do sono. Ele explica que o jet lag social afeta o funcionamento cognitivo, o que pode trazer repercussões para todas as idades, especialmente para os adolescentes. 

— Com a fadiga, a pessoa tem menor rendimento na escola. Por vezes, o sujeito pode se sentir incapaz, com desempenho aquém do esperado. Essa população fica mais vulnerável, podendo desenvolver sintomas de depressão, desatenção e, eventualmente, até Transtorno de Déficit de Atenção — afirma o médico.

Fonte: Gaúcha ZH

Foto: Arte GZH/Adobe Stock / Agencia RBS

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