IA terapeuta: especialistas apontam falta de vínculo terapêutico
Eficácia e proteção de dados são alguns dos riscos do uso da tecnologia para essa finalidade; entenda
Com a aplicação da inteligência artificial (IA) nas mais diversas áreas, são frequentes os debates sobre ética e os limites do uso dessa tecnologia. Agora, a discussão chegou na área da saúde mental. Muitas pessoas enxergam o ChatGPT, Gemini e demais chatbots como “terapeutas” – seja para ajudar a lidar com a solidão, seja com dicas para cuidar da saúde mental.
As vantagens da digitalização de práticas relacionadas à psicologia estão longe de ser consenso. Se, de um lado, pacientes buscam esse suporte por ser mais prático e econômico, de outro, psicólogos questionam a eficácia e alertam sobre os riscos do uso da tecnologia para essa finalidade. Eles destacam que ainda não há evidências científicas dos benefícios do uso das plataformas para fins terapêuticos.
De acordo com a psicóloga Vanessa Maurente, membro do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul e professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a utilização da IA como terapeuta envolve uma série de questões sociais, assim como perigos para os usuários.
Ela destaca que a tecnologia não tem a capacidade de lidar com indivíduos em estados mais graves, e o fato de que os dados dos pacientes são armazenados pelas plataformas.
— Não temos muita ideia do que é feito com nossos dados, a partir do momento em que são disponibilizados a essas plataformas. E tem o risco de a pessoa sentir que está contando algo para alguém, se expondo, mas na verdade não está contando para ninguém. Para pessoas em risco de suicídio ou automutilação, é um problema muito sério — explica.
A pesquisadora coordena o Núcleo de Ecologias e Políticas Cognitivas da UFRGS, e desenvolve estudos sobre a digitalização de práticas na psicologia. A investigação envolve não apenas IA, mas aplicativos de meditação utilizados como suporte terapêutico, apps que monitoram o humor, bem como terapia por videoconferência.
Tem o risco de a pessoa sentir que está contando algo para alguém, se expondo, mas na verdade não está contando para ninguém. Para pessoas em risco de suicídio ou automutilação, é um problema muito sério.
VANESSA MAURENTE
Outra questão que preocupa Vanessa é a “uberização” da psicologia, com o surgimento de plataformas que conectam pacientes a profissionais de saúde mental, oferecendo sessões de terapia de baixo custo.
— É uma precarização do trabalho do psicólogo. A relação com o psicólogo é de vínculo terapêutico, de contrato. Ali, você está firmando um contrato com a empresa de tecnologia, e não com um terapeuta — afirma.
Importância do vínculo terapêutico
Segundo os pesquisadores ouvidos, no processo terapêutico, a relação entre paciente e psicólogo é fundamental, e isso a tecnologia não pode substituir. Para o psicólogo e diretor da Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências, Bernardo Mattos, o avanço da IA nessa área é inevitável, mas os sistemas de IA devem servir como suporte, somente.
— A psicoterapia é um tipo de intervenção extremamente complexo, que envolve muitos fatores. Numa sessão de terapia, tudo que estou manifestando em consulta pode levar a um desfecho positivo ou negativo. É muito difícil imaginar a IA performando isso. A IA não é capaz de formar laços, de compreender esse processo — explica Mattos.
A IA não é capaz de formar laços, de compreender esse processo.
BERNARDO MATTOS
Ele destaca que a IA não deve ser encarada como vilã, uma vez que há possíveis benefícios no uso ferramentas – como apps que auxiliam o profissional a reportar dados do paciente, gerando uma espécie de prontuário. Mas ele ressalta que ainda não há estudos comprovando a eficácia das plataformas para fins terapêuticos.
Para a psicóloga e doutoranda em Psicologia na UFRGS, Sofia Sebben, a própria lógica da IA pode ser um empecilho no tratamento, uma vez que as plataformas buscam soluções para um determinado problema – e, quando se trata de saúde mental, nem sempre existe uma resposta simples.
É importante a relação com o paciente, no sentido de poder observar a linguagem não verbal, as pausas, aspectos sutis que fazem toda a diferença para o psicólogo.
SOFIA SEBBEN
— É importante a relação com o paciente, no sentido de poder observar a linguagem não verbal, as pausas, aspectos sutis que fazem toda a diferença para o psicólogo. A confiança, a empatia, a curiosidade. O silêncio é muito benéfico, em alguns casos. Não sabemos até que ponto a IA vai conseguir abarcar todas essas nuances — afirma a pesquisadora.
Essa subjetividade inerente à psicoterapia não pode ser reproduzida ou compreendida pelas máquinas. Pelo menos, não integralmente. E o desfecho terapêutico depende disso, segundo a psicóloga.
Fonte: Gaúcha ZH
Foto: deagreez / stock.adobe.com
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