Rede privada dominam leitura com um ano de vantagem sobre os alunos de escolas públicas
Pesquisa foi feita a partir de teste aplicado em 2022 que utilizou IA para avaliar quase 1,3 mil estudantes do Ensino Fundamental
Um estudo realizado por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) apontou para uma diferença de até um ano na fluência de leitura, quando foram comparados estudantes das redes privada e pública. A pesquisa avaliou resultados de 1.296 alunos do 2º ao 5ºano do Ensino Fundamental em todo o Brasil. O teste foi feito com uso de inteligência artificial (IA), em 2022, por meio da plataforma Elefante Letrado.
O Teste de Fluência Leitora envolveu a análise da leitura oral dos estudantes, que avalia velocidade, precisão e pronúncia correta. Primeiro, o aluno faz a leitura silenciosa de um texto. Em seguida, grava a leitura oral. A IA transcreve o áudio, e compara cada palavra lida com o texto original.
Os indicadores utilizados para avaliar a leitura incluem:
- Velocidade – Avalia o número de palavras lidas corretamente por minuto. É calculada subtraindo erros do total de palavras lidas em um minuto
- Precisão – Reflete a capacidade de reconhecer palavras comuns e decodificar novas
- Prosódia – Indica ritmo e entonação
- Pausas – Analisa a fluidez da leitura
Diferenças de desempenho
Os resultados do estudo mostram uma divergência no desempenho de leitura entre alunos de escolas públicas e privadas. Alunos de escolas privadas apresentaram progresso constante. Já estudantes da rede pública tiveram desempenho inferior, especialmente no 3º e 4º ano do Ensino Fundamental.
- Velocidade: a diferença na velocidade foi maior para alunos de escolas particulares no 4º ano. Esses estudantes liam em um ritmo esperado para o 5º ano, uma aceleração não observada na rede pública no mesmo período. Alunos da rede pública alcançaram nível de leitura similar um ano depois
- Precisão: a diferença na precisão manifestou-se no 3º ano. Alunos da rede particular consolidam a leitura correta mais cedo
- Ritmo e Pausas: o estudo não encontrou diferenças significativas entre as redes nesses aspectos. No entanto, nas escolas públicas, o 2º ano superou o 3º ano em ritmo, indicando uma diminuição de desempenho naquele ano que não ocorreu nas escolas privadas
O contexto pós-pandemia é considerado no estudo. A desigualdade, entre 2020 e 2021, no acesso a recursos, internet e apoio familiar para o ensino remoto é sinalizada como algo que impactou mais os alunos da rede pública. Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) de novembro de 2020 indicam que 5 milhões de jovens de 6 a 17 anos no Brasil não tinham acesso à educação, sendo 4 milhões matriculadas, mas sem aulas remotas.
— Só podemos dizer que essa diferença de desempenho aconteceu no período pós-pandemia. O motivo pode não ser a escola: talvez a criança da escola pública não tivesse acesso à internet, talvez a escola não conseguiu garantir o ensino por uma limitação particular do público que ela atende, talvez o pai da criança da escola pública não pudesse ficar em casa com ela, enquanto o pai da criança da escola privada pudesse — observa Alexandre Vontobel Padoin, médico e professor da PUCRS e pesquisador responsável pelo estudo.
População com baixa leitura
Mônica Timm de Carvalho, diretora-executiva do Elefante Letrado, relaciona a pesquisa à baixa habilidade de leitura da população brasileira. Ela afirma que o Brasil, embora seja a oitava economia do mundo, ocupa posições baixas em testes internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Pesquisa recente indica que 35% da população adulta na região Sul é analfabeta ou analfabeta funcional.
Segundo a diretora-executiva, a plataforma Elefante Letrado busca formar o hábito da leitura e desenvolver habilidades leitoras, baseada na ciência da leitura.
— Sem fluência, não há compreensão. E nós somos um país de analfabetos funcionais porque nós não temos fluência na leitura. A gente decodifica, lê mal, e quando termina a leitura, não sabe nem sobre o que estava lendo.
Mônica enfatiza o papel central do professor no processo:
— O fator preponderante para gerar qualidade na aprendizagem é o fator professor, para o bem e para o mal.
Para Mônica, a IA, nesse contexto, fornece dados personalizados para cada aluno, permitindo aos professores tomar decisões mais eficazes e liberando tempo para planejamento e interação. A condição socioeconômica interfere na aprendizagem, mas Mônica afirma que "com um ensino bem organizado, é possível obter resultados muito semelhantes das melhores escolas privadas".
Exemplos disso são Estados como Ceará, Piauí e Pernambuco, que demonstram resultados educacionais expressivos em locais antes considerados desfavorecidos.
O pesquisador da PUCRS destaca o potencial da IA como uma ferramenta de "screening" para identificar crianças com dificuldades de leitura, como dislexia ou déficits cognitivos, no contexto da saúde pública. Padoin explica que, embora o estudo inicial seja transversal e tenha limitações de dados, como não ter a idade de todas as crianças e não ser prospectivo, a IA permite uma análise em larga escala de forma objetiva, o que antes exigia muito tempo e vários profissionais.
O professor fala dos desafios éticos e burocráticos para a continuidade da pesquisa, especialmente ao lidar com dados de crianças e a necessidade de validação científica da ferramenta de IA. Apesar das dificuldades, a equipe planeja avançar para estudos de coorte (acompanhamento por mais tempo do desempenho dos participantes) para investigar a evolução dos alunos ao longo dos anos. O objetivo final da pesquisa é apontar caminhos para a equidade na educação.
— Eu não quero dizer que a escola pública não é boa. Eu quero dizer que é preciso investir mais na escola pública para ela melhorar. Essa é a nossa ideia — declara Padoin.
Próximos passos
A equipe da PUCRS planeja avançar para investigar a evolução dos alunos ao longo dos anos, o impacto de um ano escolar no progresso da leitura e as variações de desempenho entre escolas, considerando fatores geográficos e econômicos.
O processo enfrenta desafios éticos. A obtenção de autorizações das escolas e dos pais para o uso contínuo dos dados em pesquisas prospectivas é complexa, segundo Padoin, especialmente ao lidar com crianças. Há também o desafio de validar a ferramenta para uso científico em larga escala.
A pesquisa aponta que a IA pode ir além do diagnóstico e auxiliar no desenho e no monitoramento de intervenções pedagógicas que diminuam a diferença e busquem equidade na leitura desde cedo.
Fonte: Zero Hora
Foto: cherdchai / Adobe Stock
Outras notícias
-
Como identificar um relacionamento abusivo e ajudar uma vítima de violência doméstica?
Suporte de pessoas próximas e da rede de proteção é essencial para quebrar o ciclo da violência que matou 31 mulheres entre janeiro e maio no RS; 26 não tinham medida protetiva A maior parte das vítimas de&n ...
Saiba Mais -
Golpe da selfie: criminosos usam fotos de vítimas para realizar empréstimos bancários
Nesta modalidade de estelionato, os criminosos prometem brinde ou benefício, como doação de cesta básica, mas pedem imagem como suposta comprovação Criminosos têm enganado as pessoas com uma trapaça conhecida com ...
Saiba Mais