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Quais os limites do uso de IA na pesquisa acadêmica?

  • Data: 01/Jul/2025

Pesquisadores comentam sobre boas práticas e recomendações para uso responsável da tecnologia na produção científica; entenda

O uso da inteligência artificial (IA) na pesquisa não é novidade – há anos, cientistas vêm adotando recursos digitais para a realização de tarefas acadêmicas. Mas a IA generativa, que permite gerar páginas de conteúdo em poucos minutos, vem suscitando preocupação e novos debates na comunidade científica.  

A tendência é que ferramentas como ChatGPT, Gemini e DeepSeek sejam cada vez mais utilizadas em atividades como escrita e revisão acadêmica. Conforme levantamento da editora Wiley com quase 5 mil pesquisadores de cerca de 70 países, incluindo o Brasil, o uso da IA generativa deve se disseminar entre cientistas nos próximos anos, auxiliando principalmente na redação acadêmica.  

Estudos preliminares sugerem que, nos últimos dois anos, saltou o número de publicações escritas com uso de IA. Pesquisas quantitativas identificaram maior prevalência de palavras comumente empregadas pelos chatbots nos textos gerados, como “inovador”, “meticuloso” e “versátil”. 

O que causa preocupação é a possibilidade de se produzir artigos integralmente com uso da tecnologia, sem que exista um cuidadoso trabalho de leituracuradoria e análise crítica por parte do pesquisador. Isso porque a IA pode inventar fontes, gerar referências falsas ou distorcer dados, provocando uma cadeia de desinformação. Com apenas um prompt (comando dado pelo usuário para gerar uma resposta), é possível até forjar resultados, no caso de pesquisadores mal-intencionados.  

— É uma discussão do ponto de vista ético. O que não queremos é que cientistas usem esse tipo de large language model (LLM) para inventar pesquisas, gerar dados que não existem. Toda a academia é contrária a isso. O pesquisador precisa ser dono da pesquisa e se responsabilizar pelas informações que está passando — explica o professor de IA Lucas S. Kupssinskü, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Para o professor, a fronteira do conhecimento envolve: 

  • exploração 
  • metodologia estruturada 
  • coleta de dados 
  • análises  
  • experimentos de qualidade 

Já existem instrumentos para identificar trabalhos inconsistentes, como a revisão por pares para publicação em periódicos ou conferências. Esse processo pode ajudar a barrar artigos incoerentes ou tendenciosos feitos por IA. 

Conforme os especialistas, é importante que sejam elaboradas diretrizes e orientações quanto ao uso dessa tecnologia na pesquisa acadêmica, para conscientizar a comunidade e evitar problemas. 

— Aqui na universidade, temos um grupo ligado à pró-reitoria de ensino que está criando as normativas de uso de IA na instituição. Em toda pesquisa, é preciso levar em conta os princípios de transparência, autoria, originalidade, reprodutibilidade, ética e responsabilidade — ressalta coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Indústria Criativa da Universidade Feevale, Marta Bez. 

André Ávila / Agencia RBS

Juliana Herbert e Isabel Siqueira coordenam o Núcleo de Saúde Digital da UFCSPA.André Ávila / Agencia RBS

Um dos principais aspectos é a transparência. Os especialistas orientam que, quando utilizarem IA, os pesquisadores devem reportar nos artigos as seguintes informações: 

  • Quais foram as ferramentas empregadas? 
  • Como foram usadas as plataformas? Em quais etapas do trabalho? 
  • Quais dados foram usados para treinar tais ferramentas (se conhecidos)? 

As recomendações constam em documento da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad), uma das entidades que já lançou diretrizes a respeito. Revistas científicas e universidades também vêm divulgando orientações e exigindo detalhamento sobre o uso da IA, quando empregada. 

Mais insights e agilidade 

Segundo a professora Marta, que vem aplicando a IA generativa em áreas como saúdeeducação e informática, existe espaço para usar a tecnologia em diferentes etapas. Seja na fase exploratória, para ter ideias e insights, na revisão de literatura, no desenho da metodologia, na coleta e análise de dados, ou na formatação e escrita:  

— Na revisão da literatura, por exemplo, posso usar a IA para me indicar referencial teórico, onde encontrar autores focados em determinado tema. Existem IAs específicas para isso, como o Connected Papers e o Semantic Scholar, que mostra artigos publicados sobre a temática que eu quiser, escolhendo um recorte temporal. 

Para o professor do Insper Pedro Burgos, especialista em IA, um dos grandes perigos mora nos pré-prints, artigos publicados online antes de passarem por revisão de pares. Com a agilidade possibilitada pela IA para produzir papers simples, a tendência é que se multipliquem pré-publicações limitadas e, com isso, trabalhos mais rigorosos e aprofundados ganhem menos destaque, ou faça com que cientistas eliminem tarefas primordiais e percam a capacidade analítica. 

— Essa seria a visão catastrófica. Mas, numa perspectiva otimista, com a IA, os cientistas irão ganhar mais tempo para elaborar estudos mais ambiciosos. Nós podemos deixar para a tecnologia elaborar papers mais simples, como artigos de revisão de literatura. Atualmente, boa parte da produção científica é revisão — explica. 

A tecnologia também pode auxiliar em tarefas burocráticas da pesquisa, conforme Burgos, como mapeamento de editais de pesquisa e outras formas de obter financiamento. Ou seja, caso utilizada com responsabilidade e supervisão humana, a IA pode aumentar a produtividade dos cientistas – e, consequentemente, ampliar a geração de conhecimento. 

Suporte em etapas da pesquisa 

Para a professora de Engenharia de Software Juliana Herbert, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), a IA generativa vem auxiliando em diversos projetos de pesquisa. 

— Por exemplo, temos um aluno de mestrado que está utilizando o ChatGPT para simular pacientes psiquiátricos para o ensino da semiologia psiquiátrica, permitindo que mais alunos, no caso da Medicina, tenham acesso a essa simulação de entrevista de um paciente para o ensino da psiquiatria — conta. 

Na visão dela, o papel dos cientistas não vai acabar, mas será adaptado

— Se é um cientista que vai repetir informações que já estão publicadas, poderá ser substituído tranquilamente pela tecnologia. Mas aquele cientista que realmente irá fazer uma análise, uma comparação com outras pesquisas, e ter capacidade analítica mais ampla, isso não é possível substituir

A professora Isabel Siqueira, coordenadora do curso de Informática Biomédica na UFCSPA, vai na mesma linha. Ambas são coordenadoras do Núcleo de Saúde Digital da instituição, e vêm conscientizando os estudantes a respeito do uso responsável da tecnologia – não somente IA, mas Realidade Virtual, por exemplo. 

— Na saúde, nós lidamos muito com dados sensíveis. Temos uma preocupação de passar as pesquisas pela avaliação do Comitê de Ética, de anonimizar todos os dados que chegam para nós. Eu não posso simplesmente pegar os dados e repassar para a ferramenta de IA generativa. Temos que ter esses cuidados também na hora de usar a IA como suporte — explica Isabel. 

Dicas de plataformas

Entre as ferramentas que podem auxiliar na pesquisa, especialistas ouvidos pela reportagem destacam: 

  • ResearchRabbit
  • ConnectedPapers
  • Elicit 
  • Scite 
  • Semantic Scholar
  • AnswerThis 
  • Mendeley
  • Zotero
  • NotebookLM (Google)

Fonte: Zero Hora

Foto: André Ávila / Agencia RBS

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