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Como museus, teatros e centros culturais podem colaborar para o ensino de crianças e adolescentes

  • Data: 11/Set/2025

Experiências ampliam repertórios e fortalecem o aprendizado fora da sala de aula

Sair de dentro dos muros da escola e conhecer outros ambientes é uma experiência inesquecível para todo estudante. Para além de permitir o prazer de fugir da rotina, a vivência tem se consolidado como uma ferramenta importante na formação de crianças e adolescentes, tanto pelas possibilidades de trocas com colegas e professores, quanto no quesito de aprendizagem formal, devido ao potencial interdisciplinar das saídas.

Museus, centros culturais, bibliotecas, teatros e iniciativas comunitárias têm se esforçado para oferecer atividades educativas que extrapolam as visitas guiadas. Com metodologias que estimulam o envolvimento dos alunos, espaços como o Museu do Hip Hop, em Porto Alegre, e o Memorial da Evolução Agrícola (MEA), em Horizontina, buscam dar novos sentidos aos jovens em suas formas de aprender.

— Quando colocamos o foco no modo como se aprende, criamos oportunidades de convivência mais humanizada com o outro — destaca Adriana Magro, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que atuou em projetos que utilizavam arte e cultura como plataformas pedagógicas.

Conexão com o campo

Um exemplo desse movimento é o MEA, em Horizontina, no Noroeste do RS. O espaço criou o programa Prosas com a Escola, que convida instituições de ensino a propor projetos em diálogo com a exposição do museu, dedicada à história da agricultura. As iniciativas selecionadas recebem curadoria personalizada da equipe do memorial, que organiza oficinas e atividades em conjunto com professores e estudantes.

— É uma outra janela possível de aprendizagem. São outras formas de acessar conteúdos, não só metodológicas, mas também outros modos espaciais. (...) Esses locais não formais de aprendizagem provocam essa reflexão: entender que o aprender está em vários locais — observa Carla Borba, coordenadora educacional e cultural do MEA.

O programa funciona por meio de editais para selecionar propostas de escolas da região. O MEA analisa os projetos e constrói, junto aos professores, uma curadoria educativa que amplia as atividades planejadas. A ideia é oferecer repertórios novos e experiências práticas que, muitas vezes, não fazem parte da rotina.

— Trabalhamos sempre com oficinas, com o fazer. Não é palestra ou conteúdo pronto, mas sim práticas que envolvem os alunos — detalha Carla.

Takaki Fotos / Divulgação / MEA

Programa do MEA recebe propostas de escolas e desenvolve curadoria personalizada.Takaki Fotos / Divulgação / MEA

Entre os projetos apoiados está a criação de uma quitanda multiétnica por estudantes do 9º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Monteiro Lobato, de Horizontina. A iniciativa surgiu do interesse dos alunos em aprender dentro da cozinha e se transformou em um plano pedagógico que envolve disciplinas como história, matemática e química. 

Parte dos recursos arrecadados com a produção de alimentos é destinada à viagem de formatura da turma.

— O que percebemos é que alunos que estavam quase evadindo passaram a se engajar porque se sentiram parte do projeto. Criou-se um sentimento de pertencimento e de autoestima — relata a coordenadora.

Outro exemplo é o trabalho com uma escola de Três de Maio, no noroeste gaúcho, que estudava culturas indígenas. O memorial levará até a comunidade escolar representantes de um grupo guarani para realizar oficinas e compartilhar experiências sobre o manejo da terra e práticas sustentáveis.

— O memorial traz essas outras vozes e experiências estéticas. A escola passa a visitar ambientes diferentes e a dialogar com novas realidades — ressalta Carla.

As propostas resultam em exposições instaladas no MEA, que apresentam não apenas os produtos finais, mas o processo pedagógico das escolas. Para Carla, o impacto é visível: alunos mais engajados, professores motivados e uma relação de parceria que aproxima comunidade, escola e espaço cultural.

Jonathan Heckler / Agencia RBS

Museu do Hip Hop mostra na prática a cultura hip hop.Jonathan Heckler / Agencia RBS

Conexão com a arte urbana

Na Zona Norte da Capital, o Museu do Hip Hop tem se destacado como exemplo de espaço cultural que se propõe a ser aliado da educaçãoInaugurado em dezembro de 2023, o museu oferece visitas mediadas e oficinas práticas ligadas aos quatro elementos da cultura hip hop: grafite, breaking, MC e DJ. A proposta é apresentar a história do movimento e do povo negro no Rio Grande do Sul de forma integrada ao currículo escolar.

Diariamente, o museu recebe grupos de até 50 estudantes, agendados pelas escolas. A atração tem sido um sucesso: para 2025, já não é possível mais agendar grupos grandes. Visitas de grupos de até cinco pessoas podem ocorrer sem agendamento. As atividades lá são todas gratuitas.

O roteiro inclui caminhada interna e externa, passando por exposições, acervos e referências locais da cultura hip hop. Depois, em alguns dias, os jovens participam de oficinas com educadores sociais e artistas.

— A cultura hip hop é um instrumento pedagógico. Ao vivenciar os elementos, os estudantes têm uma experiência prática que amplia o aprendizado e valoriza o papel da escola — afirma Carla Zhammp, MC e coordenadora geral do museu.

Para a MC, o impacto vai além de um turno de atividades.

— Está difícil de manter a atenção de crianças e adolescentes sem competir com as redes sociais. E aí se chega num espaço como esse, que propõe cultura através da sua história, e isso potencializa a importância da escola e do aprender — avalia Carla.

Segundo a coordenadora, muitos professores saem das visitas decididos a mudar sua forma de ensinar.

— Já tivemos coordenadores e professores que disseram: “Vou mudar a minha forma de trazer a proposta para a nossa sala de aula, preciso rever a forma que eu estou educando.” Eu sou educadora e sei que, às vezes, tu tenta um planejamento e não consegue em um mês. Aí o museu tenta, através dos quatro elementos, desse colorido todo, e consegue fazer esse diferencial — pontua Carla.

Os estudantes confirmam o efeito da experiência. Isabella de André Borba, 15 anos, integrava o grupo de alunos da Escola Estadual Dr. Pacheco Prates que visitava o Museu do Hip Hop no dia em que a Zero Hora esteve lá. Para a adolescente, passeios como aquele “abrem outras portas para outras descobertas no mundo”:

— Geralmente, eu acho muito legal essas coisas que contam pra gente nesses passeios, que falam de um pedacinho de várias coisas. Por exemplo, aqui no Museu do Hip Hop tem acervos incríveis que contam cada pedacinho de como começou a cultura hip hop, essas coisas — analisou.

Na opinião da aluna, não se aprende só com “papel e caneta”: ver acervos, pinturas e grafites agrega e torna o processo de aprendizagem interessante. O colega Andrey Boeira França da Silva, 14 anos, era um dos mais participativos durante a visitação:

— Me interessa bastante, porque eu ouço bastante, vejo alguns vídeos sobre esses artistas e etc. Tô achando incrível, é uma experiência totalmente interessante. E que cada vez que a gente vai passando de sala em sala, parece que tá ficando mais imersiva.

O estudante conta que, na escola, só se “vai, estuda e só”, o que não acontece quando a turma faz passeios.

Já Samuel Trinca Silveira, 15 anos, diz que gosta de ir a museus desde criança, e que sente uma conexão com as obras.

— Me chama mais atenção os quadros. Fico um tempão olhando para poder ver cada ponto. O que cada pessoa desenhou de um jeito específico. É uma coisa muito bonita — conclui.

Carla Zhammp ressalta que o museu também busca dialogar com o uso das tecnologias.

— Aqui a gente explica de maneira intencional o uso do celular, por exemplo. Mostramos que ele pode ser instrumento de pesquisa e criação, e não apenas distração. Essa relação fortalece o vínculo entre escola e estudantes — afirma.

Para a coordenadora, o hip hop mostra seu potencial educativo ao revelar habilidades como oratória, motricidade e expressão artística.

— O MC é um orador. O grafiteiro trabalha as cores, o breaking envolve motricidade. Tudo isso amplia o pensamento e se conecta ao que os professores ensinam em sala de aula — resume Carla.

Aposta em visitas culturais

A experiência de escolas que integram visitas culturais na rotina também reforça o valor pedagógico dessas atividades. No Colégio João XXIII, em Porto Alegre, saídas de estudo fazem parte do planejamento desde as séries iniciais. As viagens incluem roteiros locais, nacionais e até internacionais.

— A educação tem que ir além dos muros da escola. A gente acredita que vivenciar, estar no lugar, ter novas experiências, colocar o aluno nessa autonomia e nessa responsabilidade do cuidado, não só de si, mas do outro, isso deixa o processo mais significativo. Esse desenvolvimento da liberdade, da autonomia, integra significativamente na aprendizagem — afirma Paula Poli, diretora da escola.

Fernanda Radajeski, vice-diretora do João XXIII, destaca que as atividades extrapolam o conteúdo curricular:

— Os estudantes aprendem muito mais do que aquele próprio conteúdo que está no projeto da saída. É a ligação deles com os espaços, com o outro, como conviver. Por exemplo, agora o terceirão vai para fora do país, e todas as questões, desde a financeira até a de convivência, perpassam o que conseguimos ensinar na sala de aula.

As saídas variam conforme o nível de ensino. No 3º ano do Fundamental, por exemplo, os alunos estudam Porto Alegre com city tours e caminhadas pelos bairros. No 4º ano, exploram o Rio Grande do Sul, visitando regiões como o litoral e a Serra. No Ensino Médio, as viagens incluem destinos como Minas Gerais e Buenos Aires, sempre relacionados a conteúdos de história, literatura e geografia. 

A preparação para as visitas envolve reuniões interdisciplinares e materiais de apoio. Os estudantes recebem planos de bordo, nos quais registram observações durante as viagens.

— É um material elaborado pelos professores e que integra a avaliação. Eles anotam percepções e reflexões, o que torna a saída de estudo parte efetiva do processo de ensino-aprendizagem”, explica Fernanda.

Segundo as gestoras, as saídas também têm dimensão socioemocional.

— No início do ano, fazemos saídas de integração, para que os alunos possam se conhecer e conviver. Muitas vezes em trilhas, onde também trabalhamos preservação ambiental e responsabilidade coletiva”, conta Paula.

Além das viagens programadas, o João XXIII também aproveita eventos culturais da cidade, como a Bienal do Mercosul, a Feira do Livro e peças de teatro. Na visão da instituição, isso faz parte da formação dos alunos.

Fonte: GZH

Foto: Jonathan Heckler / Agencia RBS

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