Como equilibrar segurança, aprendizado e lazer no contraturno escolar
Oferta vai de esportes e artes a reforço pedagógico, mas especialistas alertam para a importância de levar em conta a carga de atividades
A vida é corrida: as famílias trabalham o dia inteiro e a logística para levar os filhos para atividades além da escola é complicada. Com isso, apostar em aulas no contraturno dentro do próprio colégio se tornou uma boa alternativa, por reunir segurança e estímulo ao desenvolvimento integral.
O desafio, no entanto, está em equilibrar interesses, tempo disponível e a carga de compromissos que crianças e adolescentes podem assumir sem que se torne cansativo. Experiências de escolas, famílias, estudantes e especialistas mostram como essa prática pode ser conduzida.
No Colégio Anchieta, em Porto Alegre, o contraturno oferece esportes, artes e tecnologia. As atividades são optativas e variam de uma a cinco vezes por semana. Segundo a coordenadora de Formação Complementar, Márcia Machado, a adesão tem dois caminhos:
— Tem famílias que já chegam com escolhas definidas, de acordo com o gosto do aluno. Mas também há aquelas que precisam estender o tempo de permanência da criança na escola, e então buscam atividades que contemplem essa necessidade.
As opções vão desde ginástica, futebol, vôlei e handebol até teatro, circo, dança, xadrez, robótica e jogos digitais. Para os mais velhos, a prática ganha caráter competitivo.
— A partir do 7º ano, entram os treinamentos, que envolvem campeonatos com outras instituições. No caso dos esportes, a participação pode ir até o Ensino Médio — descreve Márcia.
Para a coordenadora, a oferta deve considerar tanto a logística familiar quanto o bem-estar do estudante.
— Às vezes, a criança não quer estar em determinada atividade, mas a família precisa que ela fique. Nesses casos, fazemos reuniões com os pais, entendemos a demanda e até sugerimos a troca para algo que se adeque melhor — afirma a educadora.
Segurança
A advogada Heloísa Loureiro, 46 anos, organiza uma rotina intensa para as duas filhas, Isadora, 11 anos, e Laura, 9, alunas do Anchieta. Uma estuda de manhã, a outra à tarde, e cada uma tem atividades extracurriculares em horários distintos. Para a mãe, a principal vantagem é a segurança de manter as filhas no ambiente escolar:
— Tem colégios que conseguem ter uma estrutura adequada para que as crianças possam usufruir dessas atividades no próprio colégio, em um ambiente seguro. Aí, acho super válido. Minha filha mais velha tem essa experiência de almoçar na escola, ter a aula depois e, aí, vamos lá buscar.
A mãe permite que as filhas escolham entre esportes, dança e música, sem a obrigação de manter uma mesma atividade por longos períodos.
— Deixo elas bem livres para experimentar coisas diferentes. Se não querem continuar em uma modalidade, não precisam. Acho importante terem essa diversidade.
A vivência também traz desafios. Quando a filha mais velha acumulou compromissos diários – futebol, jazz, canto, inglês e beach tennis –, a família precisou intervir.
— Sentamos com ela e mostramos que estava demais. Ela mesma escolheu abrir mão do futebol, que era a atividade mais tarde da noite. Foi uma forma de equilibrar — conta Heloísa.
Para a advogada, é essencial que as crianças também tenham tempo livre, que serve como espaço até mesmo para descobrirem o que gostam de fazer.
Amor pelo esporte
As alunas do 9º ano do Anchieta Lívia Lorenzi Firmino e Amanda Antunes Deluca, ambas de 15 anos, veem no esporte um espaço de aprendizado e socialização. As duas praticam vôlei na escola, modalidade escolhida tanto por afinidade pessoal quanto pela influência de amigas.
— Eu gosto de competir e das oportunidades que o Anchieta dá, como as viagens para campeonatos. Já fui para São Paulo e conheci gente de todo o Brasil — relata Lívia.
Lívia faz esportes no contraturno desde pequena.Camila Hermes / Agencia RBS
Para Amanda, o esporte trouxe pertencimento.
— Comecei no vôlei no 6º ano, quando entrei no colégio. Foi um jeito de me integrar. Já pratiquei outros esportes, mas o vôlei foi o que mais me identifiquei — conta a adolescente.
Na opinião das estudantes, a prática desde a infância faz diferença.
— É importante desenvolver o hábito de fazer esporte desde pequena, porque vira algo natural — opina Lívia.
Amanda também já fez outras atividades, como patinação, ginástica e balé. Para ela, as experiências variaram de acordo com as fases da sua vida.
Amanda já fez patinação, ginástica e balé e, agora, investe no vôlei.Camila Hermes / Agencia RBS
Projetos específicos
Além das modalidades artísticas e esportivas, o projeto InterAção, voltado para a Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, apoia as crianças no processo de alfabetização. Segundo a orientadora educacional Eliane Nunes, a iniciativa nasceu focada nos mais novos e foi estendida neste ano ao 1º ano.
— As crianças são acompanhadas por professoras alfabetizadoras e têm oficinas diárias, como expressão e movimento, musicalização, robótica e pensamento lógico. O objetivo é auxiliar no processo de alfabetização sem cansá-los — explica a educadora.
A proposta é mais ampla do que um reforço escolar.
— Nosso foco é oferecer vivências diferenciadas, alinhadas ao currículo, mas que desenvolvam autonomia e outras habilidades. Percebemos que os alunos se tornam mais independentes e engajados — observa Eliane.
A pedagoga defende que o contraturno precisa ter planejamento próprio, distinto das atividades regulares. Na visão dela, não se deve repetir o que é feito no turno normal: é preciso oferecer algo que amplie o repertório e contribua para a formação integral.
Critérios para escolher
Para Lisandra do Amaral, professora da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a decisão sobre quais atividades oferecer deve partir de diagnóstico.
— É importante fazer uma escuta com os estudantes, pode aplicar questionário, roda de conversa, mas para entender um pouquinho o que eles gostariam de aprender ou de praticar. Fazer uma consulta também às famílias e aos professores, para verificar quais são as expectativas e demandas, se é um acompanhamento escolar, se vai mais para a área do esporte, da cultura, da saúde, de habilidades socioemocionais — aponta.
Lisandra ressalta que o contraturno não pode ser apenas uma ampliação de tempo.
— É preciso qualidade de propostas educativas. O equilíbrio vem de mesclar práticas acadêmicas, lúdicas e sociais. Se for uma repetição do currículo formal, não faz sentido — alerta a professora, defendendo que a "ideia é ampliar o repertório".
Equilíbrio
Entre famílias, estudantes e especialistas, um ponto converge: é preciso cuidado para não sobrecarregar as crianças. Márcia destaca que algumas chegam cansadas após o turno regular.
— Por isso, trabalhamos para que as atividades sejam diferenciadas e prazerosas. Em alguns casos, orientamos os pais a buscar opções mais leves — afirma a coordenadora.
Na visão de Heloísa, a liberdade de escolha ajuda a evitar a exaustão.
— Quando a criança participa da decisão, ela mesma percebe os limites. Combinamos que não precisa ser definitivo e a cada ano pode ter ajustes — descreve a mãe.
Lisandra reforça a importância do monitoramento constante:
— É fundamental fazer uma avaliação contínua do programa e ajustar conforme o engajamento dos estudantes. A prioridade é que eles se sintam contemplados e que haja qualidade no tempo investido.
Fonte: GZH
Foto: Camila Hermes / Agencia RBS
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