Hobbies aos 60+: como atividades simples ajudam a driblar a depressão e cuidar da saúde
Estudo global mostra que manter um hobby está associado a níveis mais altos de felicidade, menor incidência de doenças mentais e maior sensação de propósito de vida
Você já se perguntou o quanto um simples hobby pode transformar a vida na velhice? Pintar, dançar, cuidar do jardim, participar de um coral ou aprender algo novo podem parecer atividades leves, mas, segundo a ciência, elas têm um impacto considerável na saúde mental e no bem-estar das pessoas idosas.
Um estudo global publicado na revista Nature Medicine em setembro de 2023 analisou dados de mais de 93 mil pessoas com 65 anos ou mais em 16 países — entre eles Inglaterra, Japão, Estados Unidos e várias nações europeias — e mostrou que manter um hobby está associado a níveis mais altos de felicidade, menor incidência de depressão e maior sensação de propósito de vida.
Em países onde a taxa de engajamento em hobbies era mais alta, como a Dinamarca (96%), também se observaram maiores índices de longevidade e satisfação geral com a vida.
Os pesquisadores identificaram que o envolvimento em atividades prazerosas oferece um senso de controle sobre a rotina, reduz o estresse e fortalece a autoestima. Esses efeitos, combinados, contribuem para um envelhecimento mais ativo e saudável.
— O hobby está muito ligado ao bem-estar. Ele permite que a pessoa continue explorando suas habilidades e interesses, mas sem a obrigação de cumprir metas ou horários. É uma forma de prazer e de autorrealização. — explica a psicóloga Irani Iracema de Lima Argimon, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Vitalidade em quadra e na vida
Na partida de câmbio, versão adaptada do vôlei, o que menos importa é o placar.Jonathan Heckler / Agencia RBS
Na prática, basta observar uma tarde de sexta-feira no Sesc Protásio Alves, na zona norte de Porto Alegre, para ver essa teoria em movimento.
Ali, cerca de 30 pessoas com mais de 60 anos se reúnem para jogar câmbio, uma versão adaptada do vôlei, em que o que menos importa é o placar. Risadas, abraços e incentivo coletivo se misturam ao som da bola: uma verdadeira coreografia de vitalidade.
Entre as jogadoras, Renita Maria Tofanello, 76 anos, é pura energia. Professora aposentada, ela participa das atividades há duas décadas e encontrou no câmbio o seu equilíbrio emocional.
— Eu estava muito envolvida com a doença da minha mãe, e o meu marido sugeriu que eu fizesse alguma atividade física. Quando cheguei aqui e vi um monte de pessoas idosas jogando, me apaixonei na hora. Já faz 20 anos que estou aqui, e o câmbio se tornou parte da minha vida — lembra.
Para a psicóloga Irani, esse envolvimento afetivo e corporal ilustra o que há de mais poderoso no lazer durante o envelhecimento: a sensação de continuidade e pertencimento.
— O hobby na velhice precisa ser construído durante a vida. Quando a pessoa deixa tudo "para quando se aposentar”, muitas vezes o prazer já perdeu o sabor, porque ela nunca aprendeu a se permitir antes — destaca.
Aposentadoria não é pausa, é reinício
Foi justamente o medo do vazio após a aposentadoria que levou Cicione Tavares, 65 anos, ao grupo do câmbio. Depois de 42 anos na mesma empresa, ela sentiu que a rotina silenciosa de casa seria insuportável.
— Quando me aposentei, fiquei apavorada. Achei que ia passar os dias cuidando de netos e vendo televisão. Vim ao Sesc pra fazer ginástica, mas não tinha vaga. A moça me ofereceu o câmbio. Eu disse que não gostava de vôlei, mas resolvi testar. Gostei e nunca mais parei — conta.
Renita Maria Tofanello (E), 76 anos, e Cicione Tavares (C), 65.Jonathan Heckler / Agencia RBS
Hoje, Cicione joga tanto no Sesc quanto na praça do bairro e fala do grupo como se fosse uma grande família.
— Aqui é como mãe e filha, como irmãs. A gente se acolhe, se ajuda. Eu achei aqui tudo o que estava faltando na minha vida depois da aposentadoria — diz.
Casos como o dela reforçam o que a psicóloga Irani observa na prática clínica e acadêmica: a transição para o tempo "livre" pode ser desafiadora, mas o lazer é uma ferramenta essencial para reconstruir o sentido da vida.
— Ter um hobby é uma ponte entre o tempo produtivo e o tempo prazeroso. Ele ajuda o idoso a reorganizar o propósito e a manter-se mentalmente engajado — explica Irani.
Menos cobrança, mais leveza
Se o prazer é o combustível, a leveza é o freio necessário. Em uma sociedade marcada pela busca de desempenho, até o lazer pode virar motivo de cobrança. Para a especialista, é preciso reaprender a brincar sem se comparar.
— Durante a vida adulta, a gente é muito treinado a fazer tudo cada vez melhor, e isso tem um custo alto. O desafio é transformar o lazer em algo sem cobrança. Não é preciso pintar bem, dançar bem ou cozinhar bem. É preciso curtir o momento, aceitar erros e entender que não há perfeição no prazer — afirma Irani.
Psicóloga explica que é preciso curtir o momento, aceitar erros e entender que não há perfeição no prazer.Jonathan Heckler / Agencia RBS
Essa filosofia já é prática entre os participantes da oficina de câmbio. Para Renita, o segredo é celebrar o simples.
— Ganhar é bom, claro. Mas, com 76 anos, poder ter perna, braço e cabeça funcionando é ainda melhor. Eu me sinto plena — diz, rindo.
Segundo a psicóloga, essa leveza é um exercício de autocompaixão que transborda nas relações.
— Quando aceitamos que não precisamos ser perfeitos, deixamos de exigir perfeição dos outros. E isso melhora o humor e o modo como vivemos — reforça.
Poder do convívio
Na avaliação da assistente social Sandra Noronha de Cristo Yanzer, 61 anos, umas das coordenadoras do programa Maturidade Ativa do Sesc, o sucesso do grupo está no poder do vínculo.
— Muitos chegam sozinhos, deprimidos ou até por recomendação médica. Aos poucos, vão se transformando. Já vi gente que chegou sem falar e hoje atua no teatro. É impressionante o que o convívio e o prazer em fazer algo podem transformar — conta.
De acordo com o estudo da Nature Medicine, os hobbies sociais, aqueles que envolvem convivência e trocas, estão entre os mais benéficos para a mente. Eles estimulam a memória, a empatia e o bom humor, funcionando como uma espécie de treino emocional.
— O suporte social é essencial. A troca com o outro fortalece a resiliência psicológica. Rir junto, compartilhar histórias, se sentir útil (...) tudo isso faz um bem enorme — pontua Irani.
Mais do que exercício, uma forma de cuidado
Hobbies sociais, aqueles que envolvem convivência e trocas, estão entre os mais benéficos para a mente.Jonathan Heckler / Agencia RBS
A coordenadora do programa Maturidade Ativa, Sandra Noronha, afirma que o impacto das atividades é perceptível não apenas no humor, mas também na saúde física e na disposição dos participantes.
Os achados do estudo publicado na Nature Medicine reforçam essa percepção: em todos os países analisados, o engajamento em hobbies esteve associado a menor risco de depressão, melhor saúde geral e maior satisfação com a vida, mesmo entre idosos com doenças crônicas.
— Os hobbies não são um luxo, são uma forma de cuidado. Eles mantêm a mente ativa, o humor equilibrado e a vida com propósito. Mais do que um passatempo, é uma maneira de continuar crescendo. De outro jeito, mas ainda crescendo — resume a psicóloga Irani.
Nunca é tarde para começar
Mesmo quem nunca teve um hobby pode descobrir algo novo e se permitir experimentar. Renita, segundo ela mesma, é prova disso.
— Caminho, sinto dor, boto a joelheira e vou jogar. O importante é não parar — diz, sorrindo.
Irani complementa que o segredo está em agir, sem esperar o "momento ideal".
— Não espere se aposentar para viver o que gosta. Comece ontem. E se não deu certo um hobby, tente outro. A vida é feita de tentativas, e o prazer está justamente em experimentar — finaliza.
Dicas de hobbies
- Coloração
- Meditação
- Desenho
- Tricô
- Culinária
- Escrita
- Dança
- Instrumentos musicais
- Fotografia
- Produção de vinho/cerveja
- Cerâmica
- Pintura
- Jogos de tabuleiro
- Quebra-cabeças
- Jardinagem
- Caminhada/trilha
- Natação
- Ciclismo
- Teatro
- Banda/coral
- Voluntariado
- Viagem
- Ioga
- Tai Chi
Fonte: Gaúcha ZH
Foto: Jonathan Heckler / Agencia RBS
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