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Alcoolismo: doença crônica traz consequências graves à saúde, mas pode ser superada

  • Data: 19/Fev/2024

Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo é celebrado no dia 18 de fevereiro

Domingo (18) marca o Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo. Capaz de gerar consequências graves à saúde e aos relacionamentos, bem como destruir vidas, o alcoolismo é uma doença crônica. Contudo, é possível enfrentá-la: a dependência tem tratamento, e retomar o controle do próprio destino é possível – Luiz Cláudio Alves Ferreira, alcoolista em recuperação há sete anos, luta todos os dias para provar isso.

A importância do tema tem vindo cada vez mais à tona, sendo reconhecida e impulsionada por figuras públicas. Recentemente, Paulo Germano, colunista de GZH, também gerou repercussão e comoção com um depoimento sobre alcoolismo – o vídeo soma mais de 1,3 mil comentários nas redes sociais.

O alcoolismo – cujo termo científico correto é Transtorno por Uso de Álcool (TUA) – caracteriza-se pela repetição de problemas relacionados ao consumo. Há 11 critérios diagnósticos. Para identificar se uma pessoa é alcoolista, é preciso analisar se ela preenche os critérios.

— Com dois ou três sintomas dos 11 critérios, faz com que o indivíduo seja considerado com alcoolismo leve, com quatro ou cinco, moderado, e seis ou mais, grave. Vai aumentando a gravidade do alcoolismo — explica Félix Kessler, psiquiatra e chefe do Serviço de Psiquiatria de Adições e Forense do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

O médico afirma que a maioria dos critérios avalia a relação do indivíduo com a bebida, sobretudo no que diz respeito a sofrimento e/ou prejuízo – pessoal ou alheio. Em muitos casos, o paciente afirma que não percebe sofrimento, mas a família, sim. Os prejuízos, por sua vez, são variados, podendo ocorrer no âmbito profissional, afetivo, doméstico, entre outros. Portanto, nem sempre o alcoolismo está tão diretamente relacionado à quantidade ou à frequência do consumo, e sim, a esses aspectos. Quando eles começam a se materializar, é hora de buscar ou sugerir ajuda.

Sinais e critérios de diagnóstico, de acordo com o DSM-5

  1. Álcool é frequentemente consumido em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido
  2. Existe um desejo persistente ou esforços mal sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso de álcool
  3. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção de álcool, na utilização de álcool ou na recuperação de seus efeitos
  4. Fissura ou um forte desejo ou necessidade de usar álcool
  5. Uso recorrente de álcool, resultando no fracasso em desempenhar papéis importantes no trabalho, na escola ou em casa
  6. Uso continuado de álcool, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados por seus efeitos
  7. Importantes atividades sociais, profissionais ou recreacionais são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso de álcool
  8. Uso recorrente de álcool em situações nas quais isso representa perigo para a integridade física
  9. O uso de álcool é mantido apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pelo álcool
  10. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos: necessidade de quantidades progressivamente maiores de álcool para alcançar a intoxicação ou o efeito desejado; efeito acentuadamente menor com o uso continuado da mesma quantidade de álcool
  11. Abstinência, manifestada por qualquer um dos seguintes aspectos: síndrome de abstinência característica de álcool; álcool (ou uma substância estreitamente relacionada, como benzodiazepínicos) é consumido para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência

Causas do alcoolismo

O alcoolismo é multifatorial, conforme especialistas. Como em quase todos os transtornos mentais, o componente genético é um fator “extremamente importante”, de acordo com o psiquiatra. Também há outros, como os sociais, culturais e ambientais. Estes incluem experiências traumáticas na infância, como abuso físico, emocional ou sexual; a pressão do ambiente para o consumo; normas sociais que permitem ou incentivam o uso excessivo; e a associação do ato com felicidade e alegria. Além disso, há um grande poder de influência da família e dos amigos para o consumo, o que pode aumentar o risco de desenvolvimento da doença.

As próprias políticas dos países têm influência nesse cenário. O Brasil ainda é permissivo, com fácil acesso a bebidas. A falta de fiscalização, o consumo por menores e festas open bar também facilitam o uso excessivo.

Além disso, a condição de saúde e até mesmo questões biológicas (como alterações na neuroquímica do cérebro) podem predispor alguns indivíduos ao desenvolvimento. Há ainda fatores psicológicos: problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e traumas não resolvidos podem contribuir para o transtorno. O fator individual, é claro, aumenta a chance de ter mais ou menos compulsão e impulsividade.

— Normalmente, esses elementos interagem de maneira complexa, e a vulnerabilidade pode variar de indivíduo para indivíduo. A compreensão desses fatores é crucial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção e tratamento — aponta Nino Marchi, psicólogo especialista em dependência química.

Riscos e consequências para a vida

O alcoolismo traz riscos e consequências nas mais diversas áreas: da saúde física e mental às relações familiares e de trabalho.

— O álcool é uma substância psicoativa com propriedades geradoras de dependência que tem sido amplamente utilizada em muitas culturas há séculos. O uso nocivo do álcool provoca um elevado fardo de doenças e tem consequências sociais e econômicas significativas — ressalta o psicólogo.

O consumo excessivo da substância é um fator causal em mais de 200 doenças e lesões, de acordo com o Ministério da Saúde. Os problemas clínicos podem estar associados, por exemplo, a câncer no trato gastrointestinal, doenças cardiovasculares e cirrose alcoólica – resultando, por vezes, na necessidade de transplante de fígado. Em relação ao cérebro, o uso crônico, associado à hipovitaminose, especialmente nas pessoas que se alimentam mal, pode causar atrofia ou trazer prejuízos às funções cognitivas, podendo levar a comportamentos mais impulsivos, imediatistas e inconsequentes, segundo Kessler.

Em relação à saúde mental, os especialistas destacam uma importante associação do alcoolismo com transtornos como ansiedade, irritabilidade e sintomas depressivos (muitas vezes agravados pelo uso crônico de álcool, um depressor do sistema nervoso central). Também há transtornos relacionados a estresse, traumas e sono. Durante a abstinência, além de convulsões e tremores, podem, inclusive, surgir outros sintomas psiquiátricos, como desconfiança excessiva, especialmente quando há diagnósticos como transtorno de humor bipolar – outros transtornos, como também a esquizofrenia, muitas vezes ocorrem concomitantemente ao alcoolismo.

Na família, há especialmente o risco de violência e agressividade, bem como falta de paciência. Também podem decorrer acidentes, de trânsito, no trabalho ou em casa, e agressões mais graves, como homicídio, além do aumento do risco de suicídio. No âmbito profissional, pode acarretar prejuízos devido a faltas ao trabalho ou diminuição da produtividade.

Tratamento é possível

Por ser uma doença complexa, o alcoolismo afeta não somente o corpo, mas a mente e o comportamento das pessoas, frisa Marchi. Porém, a condição pode ser tratada, com o auxílio de equipes multidisciplinares. O primeiro passo é buscar ajuda – ou incentivar o alcoolista a procurá-la.

Primeiramente, sugere-se uma avaliação psiquiátrica e clínica, com exames físicos e psicológicos, explica Félix Kessler, psiquiatra do HCPA. Em seguida, pode-se iniciar tratamentos medicamentosos, incluindo, por exemplo, Naltrexone e Dissulfiram para o alcoolismo. Concomitantemente, recomenda-se a psicoterapia, especializada em adições – como Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e estratégias de prevenção de recaídas, para modificar pensamentos, emoções e comportamentos, explicam os especialistas. Também é indicada a participação em grupos de apoio, de terapia ou de autoajuda.

No Hospital de Clínicas, o Serviço de Psiquiatria de Adições e Forense conta com terapia familiar, grupos, entre outros componentes de tratamento. Qualquer posto de saúde ou Centro de Atenção Psicossocial (Caps) pode encaminhar o paciente para o serviço, o qual frequentará algumas vezes por semana.

— Não é fácil parar de beber. É bastante difícil. Geralmente, envolve a participação da família e uma equipe multidisciplinar, com vários tipos de técnicas. Para aquele paciente que participa com uma frequência adequada, tem um bom índice de recuperação. Depende muito da participação e da motivação — afirma o psiquiatra.

Quando há risco maior ou baixa motivação para ir ao ambulatório, em alguns casos, é indicada a internação. Existem ainda outros dois tipos, contra a vontade do paciente: a involuntária, feita pela família, e a compulsória, por via judicial. Ambas ocorrem por meio de encaminhamento médico, no caso de risco para a vida do paciente ou de outra pessoa. Além dos serviços em ambulatórios e internações, há as comunidades terapêuticas, onde é possível realizar tratamentos de longo prazo, caso o paciente deseje.

Ainda que o alcoolismo seja uma condição que possa ser controlada e mantida sob remissão, ela não tem “cura”, no sentido tradicional da palavra, alerta Marchi.

— A recuperação a longo prazo é quando o paciente consegue ressignificar a vida sem o álcool. Quando o álcool perde o sentido. Mas é um trabalho de muitos anos de psicoterapia e de compreensão, para conseguir chegar nesse nível de reavaliação e de poder se sentir feliz mesmo sem o consumo de bebidas. A gente costuma dizer que o paciente está sempre em recuperação — especifica Kessler.

Onde buscar ajuda

Muitos consumidores abusivos ou mais frequentes, sobretudo homens, não se reconhecem como pessoas que bebem de forma prejudicial à saúde, aponta Marchi.

— É difícil reconhecer a necessidade de procurar ajuda profissional, o que pode ser uma barreira tanto para o portador de transtornos do consumo de álcool quanto para seus familiares e amigos — pontua.

Além disso, nem sempre existem juízo crítico e motivação suficiente para enfrentar o problema sozinho. Para quem não consegue administrar a situação, mas há sofrimento ou prejuízo, para si ou para outros, é indicado solicitar ajuda – procurar ajuda profissional pode ser o primeiro passo para a recuperação.

 

Muitos locais e grupos oferecem auxílio e tratamento. Um dos mais conhecidos – e onde a ajuda é sempre garantida e gratuita – é o Alcoólicos Anônimos. No RS, existem grupos em diversas cidades. Em Porto Alegre, há cerca de 30, com reuniões diárias, em diversos horários. No site, é possível localizar endereços, dias e horários de reuniões em todo o Brasil. Também são feitas reuniões online, preenchendo quase 24 horas com opções.

— Os grupos se reúnem para receber os alcoólicos que procuram ajuda, para trocar experiências, forças e esperanças, com um único propósito: mantermo-nos sóbrios e ajudar outros a alcançarem a sobriedade — afirma um membro do AA Cidade Baixa e AA Bom Fim, com quase 30 anos de abstinência, que prefere manter o anonimato.

Também há grupos que buscam ajudar familiares e amigos de alcoolistas, como o Al-Anon e Amor-ExigenteAlém disso, os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps AD) oferecem atendimento especializado e gratuito para dependentes químicos – incluindo alcoolistas. Contudo, Unidades Básicas de Saúde, ambulatórios de saúde mental, demais Caps e hospitais gerais também estão capacitados para o cuidado.

Caps AD

Em Porto Alegre, o espaço de referência é o Caps AD IV , no bairro Floresta. O acesso pode se dar por livre demanda para usuários de uso abusivo de qualquer substância. Uma equipe multiprofissional realiza atendimentos individuais e oferece grupos e oficinas terapêuticas diariamente.

O tratamento é definido no plano terapêutico singular, conforme as características e necessidades do paciente. Ainda que não haja um perfil definido de alcoolista, mais homens costumam procurar atendimento no local. A maior dificuldade é a adesão ao tratamento, visto que muitos pacientes são pessoas em situação de vulnerabilidade social e moradores de rua, conforme Catia Favreto, coordenadora do local.

— Quando o usuário vem procurar, é porque está muito necessitado. Muitos vêm com vergonha, com medo, já perderam tudo, famílias, amigos, emprego, casa, e têm muita vergonha de dizer que são usuários de alguma substância, do álcool também — observa.

No Caps AD IV, uma das oficinas promovidas para os tratamentos é a Quarta Musical, na qual usuários podem tocar instrumentos e se expressar.

— As oficinas são muito terapêuticas. Dependendo do tipo de atividade, elas ajudam o usuário a relaxar, a colocar para fora suas frustrações, seus medos. Mas as oficinas de música são extremamente importantes, elas deixam o usuário mais calmo, mais relaxado, e consegue soltar todos os seus traumas — avalia.

Fonte: Gaúcha ZH

Foto: Marcelo Casagrande / Agencia RBS

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